Abordagem Fisioterapêutica no Tratamento da Atelectasia

A Atelectasia representa uma das principais indicações de fisioterapia em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), uma vez que pode conduzir o paciente a uma insuficiência respiratória importante afetando sobremaneira a troca gasosa nos mesmos.(8,10) Existem inúmeros procedimentos utilizados no tratamento fisioterapêutico na atelectasia, onde podemos destacar a drenagem postural, percussão, vibração, aspiração e cinesioterapia. Estas ações melhoram significamente a perfusão ventilatória nestes pacientes, interferindo em sua recuperação.(2,8)

Atelectasia ou colapso do pulmão indica perda de volume do parênquima pulmonar, sem enchimento significativo dos espaços aéreos. Freqüentemente é causada pela obstrução nas vias aéreas, porém também pode ser desencadeada pela falta de surfactante no líquido que reveste os alvéolos. Muitas são as causas desta obstrução, desde carcinomas primários e secundários, até tampões de secreção e ainda traumas brônquicos. Uma pressão externa aplicada sobre um brônquio, como um tumor que promova dilatação dos gânglios linfáticos, é outro mecanismo obstrutivo.(7,14,15)

O Surfactante é uma substância secretada por células especais do epitélio alveolar, sendo lançada no líquido que reveste os alvéolos. Esta substância promove uma diminuição de 2 à 10 vezes da tensão superficial dos alvéolos, contribuindo em grande escala para evitar o colabamento dos mesmos. Contudo, em várias afecções, como a Doença da Membrana Hialina (DMH), também denominada Síndrome da Angústia Respiratória, a qual freqüentemente acomete recém-nascidos prematuros, ocorre grande diminuição na quantidade de surfactante, tendo como conseqüência o aumento da tensão superficial alveolar, o que aumenta a tendência de colabamento destes pulmões.(9,15)

A análise radiográfica aponta desvio da traquéia para a direita e hiper-insuflação compensatória dos lobos médio e inferior direito. O colapso do lobo médio é diagnosticado quando a fissura horizontal aparece deslocada para baixo e o contorno cardíaco direito está sobreposto pelo lobo colapsado.(12,13,14)

Tabela I - Alterações radiográficas que indicam 
colapso pulmonar total ou lobar
 

* Deslocamento das Fissuras

* Aumento da Densidade Pulmonar

* Aglomeração dos Vasos

* Desvio do mediastino para o lado acometido

* Deslocamento Hilar

* Elevação do diafragma para o lado afetado

* Costelas Aproximadas

* Hiper-insuflação compensatória do pulmão oposto

Smith & Ball; Fisioterapia Cardio-respiratória. Premier, 1998

Na atualidade foram descritos dois tipos distintos de atelectasias: a Atelectasia Primária ou Fetal, e atelectasia Secundária ou Adquirida. Na atelectasia Primária, estudos anátomo-patológicos dos pulmões de pacientes os quais foram a óbito, percebeu-se que no tecido pulmonar havia uma coloração roxo escuro, estando completamente desprovido de ar. Estavam ainda compactos à palpação, e uma análise histológica mostrou um epitélio alveolar proeminente, formado com uma capa contínua de células cúbicas. Nesta classificação, as causas do colapso pulmonar são: a) obstrução das vias aéreas; b) aspiração de corpos estranhos; c) mal formações; d) estímulo respiratório inadequado; e) imaturidade do tecido pulmonar. Já a Atelectasia Secundária ocorre em casos de pneumotórax, onde devido a entrada de ar na cavidade pleural, ou ainda água, como num hidrotórax, ocorrerá um aumento da pressão daquela região, a qual promoverá uma compressão de bronquíolos ou mesmo do brônquio fonte. (14,15,16)

O diagnóstico de Atelectasia deve iniciar-se com uma história clínica completa, seguida de uma exploração minuciosa do paciente, buscando encontrar sinais como diminuição do murmúrio vesicular, presença de estertores crepitantes ou sibilosos, e ainda hiper-ventilação unilateral. Os exames radiográficos devem também ser analisados, onde em uma radiografia simples de tórax, os achados mais importantes são: a) Aumento da opacificação do lobo não alterado; b) desvio das fissuras pulmonares; c) desvio da silhueta cardio-pulmonar para o lado da atelectasia; d) desvio das estruturas hilares; e) diminuição dos espaços inter-costais; f) elevação da hemi-cúpula frênica do lado acometido; g) hiper inflação compensatória das áreas aeradas remanescentes.( 7,12,13,16)

Alguns estudos têm se dedicado a investigar a ação da fisioterapia em pacientes em estado crítico ou internados em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI). Mackenzie et al. (1994) destaca que tais ações podem contribuir para uma diminuição da secreção intra-pulmonar com conseqüente aumento da complacência pulmonar torácica, sendo o aspecto temporal, ou seja, o número de horas dedicada a estas ações, uma variável importante. Um outro estudo conduzido por Stiller et al. (1990), demonstrou que a fisioterapia realizada por períodos de 6 horas foi mais efetiva em relação às ações praticadas em tempos inferiores. Já Suhail e col (1999) recomendam, em pacientes críticos, a prática da fisioterapia em intervalos inferiores a 2 horas. Desta forma, é cada vez mais importante a ação do Fisioterapeuta nestas situações, contribuindo em grande parte para a reabilitação destes pacientes e atenuado as desordens ventilatórias decorrentes destas secreções.(6,9)
A conduta fisioterapêutica no tratamento da Atelectasia visa como objetivo primordial recrutar os alvéolos sadios do pulmão que tivera um de seus segmentos acometidos ou ainda recrutar alvéolos adicionais do pulmão oposto, em casos de colapso pulmonar total, para que desta forma seja normalizado o gradiente Ventilação-Perfusão (V/Q). Destacam-se ainda como outros objetivos a minimização de retenção de secreções, re-expansão de áreas atelectasiadas e aumento da complacência pulmonar.(3,4,5)


MATERIAIS E MÉTODOS

A amostra constituiu de um paciente de 23 anos, sexo masculino, o qual foi admitido no hospital Cotrel de Acidentados em Juiz de Fora, dia 27 de junho de 2004, como vítima de acidente automobilístico. O estudo foi realizado no Hospital Cotrel de Acidentados de Juiz de Fora, MG. Foi realizada uma avaliação fisioterapêutica, na qual constavam dados de identificação, exame físico, freqüências respiratória e cardíaca, padrão respiratório, utilização de musculatura acessória, auscultas pulmonares e cardíaca, Pressão Arterial, Saturação de Oxigênio e nível de consciência, segundo escala de coma de Glasgow (ECG) . O Paciente foi admitido no hospital dia 27 de junho de 2004, tendo alta no dia 04 de Agosto de 2004.

Para facilitar a análise, foi preenchida uma ficha de evolução Fisioterapeutica, a qual permitiu melhor percepção na evolução do tratamento. Nesta constava nome do paciente, idade, variáveis fisiológicas dos sistemas respiratório e cardíaco, como Sat O2, FR, FC, Análise do eletrocardiograma, análise gasométrica, análise dos parâmetros do ventilador, condição circulatória, presença de edemas e, estado de consciência.


RELATO DO CASO

Paciente foi admitido no hospital Cotrel de Acidentados em Juiz de Fora, dia 27 de junho de 2004, proveniente do Pronto Socorro Municipal de Juiz de Fora (PSM), como vítima de acidente automobilístico, com fratura dos ossos da face, Traumatismo Crânio Encefálico (TCE), rebaixamento do nível de consciência e Insuficiência Respiratória (IRPA). Foi admitido na Unidade de Tratamento Intensivo, recebeu os cuidados necessários, sendo intubado e colocado em ventilação Mecânica (VM), na qual permaneceu por 20 dias. Iniciou um tratamento buco-maxilo-facial com uma redução incruenta da mandíbula, por fios de aço, devido às condições hemodinâmica e neurológica instáveis para a cirurgia. Durante os 20 dias em que permaneceu em VM, o paciente fez quadros de atelectasias decorrentes da imobilização, as quais foram revertidas pela Fisioterapia.(anexos). Foi solicitada uma tomografia de crânio na admissão do paciente, a qual apresentava uma hemorragia Intra-parenquimatosa no hemisfério cortical frontal direito.

Já o Raio X da cavidade pulmonar apresentava uma condensação em hemitórax esquerdo, seguido de fraturas dos três primeiros arcos costais isolaterais (anexo I). Após cinco dias de internação o paciente foi encaminhado a neurocirurgia.

O paciente foi sedado e colocado inicialmente em Ventilação Mecânica (VM), no modo Assistido Controlado (A/C), com uma FIO2 de 100%, Fluxo de 60 L/min, Volume Corrente de 500 Ml/Kg, Peep igual a 7 cmH2O, com saturação de 98%. Ficou um período de 20 dias em VM, onde desencadeou um quadro de Pneumonia Associada à Ventilação (PAV) e também um quadro de Infecção por MARSA, as quais foram controladas através de antibióticos (anexo II). Após 10 dias de internação e VM o paciente foi submetido a uma traqueostomia com cânula temporária.



RESULTADO & DISCUSSÃO

A Fisioterapia passou a intervir no 4º dia de internação do mesmo. Inicialmente segui-se a conduta de higiene brônquica, através do sistema tradicional de aspiração aberta, mobilizações torácicas, alongamentos de grupamentos musculares envolvidos na respiração, como peitorais, intercostais, trapézio e abdominais. Também eram realizadas abordagens músculo-esqueléticas, com o intuito de minimizar ou retardar a hipotrofia decorrente de imobilização, assim como prevenir afecções por estase, como escaras, alterações vasculares, como edemas de extremidades, Trombose Venosa Profunda (TVP), etc. Foram realizadas mobilizações grau 1 e 2 das articulações Tálus-Calcâneo, tornozelo, joelho e ainda quadril, nos membros inferiores (MMII) e inter-metarcapianas, rádio-ulnar, cotovelo e ombro, nos membros superiores (MMSS). Alongamentos dos grupamentos musculares da perna, como tibial anterior, e tríceps sural, assim como da coxa: ísquios-tibiais, adutores e abdutores. Já nos MMSS eram abordados os grupamentos extensores e flexores do antebraço, bíceps e deltóide. Tais alongamentos eram realizados com o paciente acamado, em decúbito dorsal, levando os membros em suas amplitudes articulares máximas (ADM). 

Durante o período de VM, o paciente fez quadros de Atelectasias por imobilidade e por tamponamento da árvore brônquica por secreção (anexo II). A conduta Fisioterapêutica utilizada baseou-se no aumento da PEEP para valores acima de 15 cmH2O por um período de 15 a 30 minutos, associando a drenagem postural do segmento acometido, através da colocação do paciente em decúbito lateral, com o lado acometido voltado para cima. Nesta posição ainda eram realizadas manobras desobstrutivas como tóraco-vibração sobre o local com diminuição de murmúrio vesicular. Através destas manobras, os quadros de atelectasia foram revertidos com sucesso (anexos III e IV).

O trabalho respiratório, além da higiene brônquica, era composto por estimulações proprioceptivas tanto do diafragma (KABAT) como da musculatura abdominal, tendo esta última uma abordagem mais localizada, através da Re-educação Tóraco-Abdominal (RTA). Mobilizações torácicas, como Gingas, tóraco-compressão, tóraco-vibração, auxílios Inspiratório e Expiratório foram aplicadas, melhorando desta forma a mobilidade torácica e a complacência pulmonar. 

No 19º dia de internação, após melhora do quadro neurológico, com o paciente vigil, não fazendo uso de agentes cardio-tônicos, condição hemodinâmica estável e, variáveis pulmonares normais, como complacência, elasticidade, Freqüência respiratória e ainda Saturação de oxigênio, foi iniciado o processo de desmame, o qual durou 3 dias, numa iniciativa conjunta entre Médicos e Fisioterapeutas responsáveis. Tal desmame fora iniciado com a alteração do modo ventilatório A/C para a Ventilação Mandatória Intermitente Sincronizada (SIMV) com FIO2 igual a 40%, Peep de 10 cmH2O, Pressão suporte de 15 cmH2O e, uma Freqüência mínima (RATE) igual a 5 ipm. O paciente realizava uma Freqüência respiratória de 20 ipm, mantinha saturação superior a 95 % e não apresentava esforços respiratórios. Após 24 horas em tais parâmetros, foram diminuídas Peep e Pressão Suporte, admitindo-se os valores respectivos de 6 cmH20 e 8 cmH20 por um período igual a 6 horas. Em seguida, o paciente foi colocado em Tubo T, o qual permaneceu pelas 32 horas restantes, sem apresentar qualquer falha na tentativa de desmame. A saturação permaneceu superior a 95 %, não havia sinais de fadiga ou esforço respiratório. O paciente conseguiu com sucesso ser desmamado.

Durante o processo de desmame os exercícios respiratórios e musculares continuaram, contribuindo desta forma para o sucesso do mesmo. Quando o paciente foi colocado no tubo T, foram iniciados exercícios de padrões inspiratórios, objetivando retornar o mais próximo do normal a condição respiratória do paciente. 



CONCLUSÃO

A abordagem Fisioterapêutica não se resume somente ao tratamento da Atelectasia quando a mesma já se encontra instalada, mas principalmente na prevenção da instalação do quadro, em pacientes os quais se encontram acamados por um período de médio a longo prazo. Esta prevenção pode ser feita através de medidas fáceis de serem tomadas, como a mudança de decúbito de pacientes, os quais se encontram restritos ao leito, como nas Unidades de Tratamento Intensivo.(6,11)

A intervenção Fisioterapêutica no recrutamento alveolar deve ser feito de uma forma consistente e constante, onde o conhecimento da ventilação mecânica, com seus conceitos e estratégias ventilatórias, por parte do Fisioterapeuta, torna-se indispensável para que, através da administração de valores de PEEP, seja possível promover a abertura de alvéolos, contribuindo desta forma para a reversão do quadro. A administração da PEEP contribui para o deslocamento distal, em relação às estruturas alveolares, dos pontos de igual pressão (PIP), promovendo desta forma um maior e mais eficaz fluxo expiratório e inspiratório, melhorando a ventilação alveolar e conseqüentemente o gradiente ventilação-perfusão.Este aumento da PEEP deve controlado tomando por base os valores limítrofes da Pressão de Platô < 35cmH2O e a Pressão de Pico Inspiratório < 50 cmH2O, como precaução à lesões por hiper-pressão: barotrauma.(1,4,6)

Existem vários protocolos para recrutamento alveolar, porém neste estudo, falaremos a respeito somente de dois. O primeiro, de autoria do Professor Dr. Marcelo Amato, em publicação na Revista Brasileira de Penumologia (2004), diz que o recrutamento alveolar deve ser iniciado com um CPAP de 40 cmH2O, por 40 segundos, retornando com o valor da PEEP para o valor anterior ao início do recrutamento. Já Kacmareck e colaboradores, segundo publicação no Physical Therapy (2004), diz que o recrutamento deve acontecer em três etapas: a primeira deve ocorrer com um CPAP de 30 cmH2O, por 30 a 40 segundos. Aguardado um período de 15 a 20 minutos, realiza-se a segunda manobra, com um CPAP de 35 a 45 cmH2O, por 30 a 40 segundos; aguardado 15 a 20 minutos, realiza-se a última manobra, com um CPAP de 40 cmH2O,, por 30 a 40 segundos.

O tratamento da atelectasia, como dito anteriormente, baseia-se principalmente no recrutamento alveolar, com o intuito de normalizar o gradiente V/Q e restabelecer a ventilação no segmento ou mesmo no pulmão acometido. Pode-se fazer uso de várias técnicas, de acordo com o quadro clínico do paciente, assim como a situação respiratória em que o mesmo se encontra, em ventilação mecânica invasiva, mecânica não-invasiva ou ainda em ventilação espontânea. Entretanto, parece não haver um consenso sobre qual técnica obtém melhor resultado, daí a necessidade de mais estudos comparativos destas, para que haja um consenso melhor quanto ao número de atendimentos, intervalos dos procedimentos e técnicas de procedimentos, os quais terão maior e melhor resultados.(4,6,7)



ANEXOS - Hospital Cotrel de Acidentados; Juiz de Fora, MG


ANEXO I - RX de tórax com incidência Ântero-posterior (AP), realizado na data de internação do paciente, com o mesmo deitado ao leito em decúbito dorsal. O paciente encontrava-se em coma, intubado e fazendo uso de ventilação mecânica.

 



ANEXO II - RX de tórax com incidência Ântero-posterior (AP), com o paciente deitado ao leito em decúbito dorsal. . O paciente encontrava-se sedado, traqueostomizado e fazendo uso de ventilação mecânica. Tal imagem foi tirada no 13º dia de internação, a qual relatava quadro de Pneumonia e Atelectasia em pulmão esquerdo.

 




ANEXO III - RX de tórax com incidência Ântero-posterior (AP), realizado no 16º dia de internação. O paciente encontrava-se torporoso, traquestomizado e fazendo uso de ventilação mecânica no modo Mandatório-Intermitente-Sincronizado (SIMV). Imagem feita após controle do quadro pneumônico e imediatamente após manobras Fisioterapêuticas desobstrutivas.

 



ANEXO IV - RX de tórax com incidência Ântero-posterior (AP), realizado na data de alta da Unidade de tratamento Intensivo (UTI) do paciente, com o mesmo deitado ao leito em decúbito dorsal. O paciente encontrava-se em ventilação espontânea, eupneico e com saturação igual a 97%. A imagem relata ausência de quadro pneumônico, assim como ausência de áreas colabadas.

 



ANEXO V - Imagens de recrutamento alveolar com conseqüente melhora da afecção pulmonar, através da administração de diferentes valores de PEEP, respectivamente 0, 5, 10 e, 20 cmH2O.


 

    (Pneumoatual - 2004)




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23. Robbins. Patologia Estrutural e Funcional. Guanabara Koogan, 2000

AUTORES:


- Daniel Domenici Mozzer*
- Artur Laizo**
- Sergio Paulo dos Santos Pinto***

* Fisioterapeuta Pós-Graduando em Fisioterapia Pneumo-funcional pela Universidade Castelo Branco; 

** Médico e Professor das disciplinas de Farmacologia, Urgência e Socorros e Pneumologia da Faculdade de Fisioterapia da UNIPAC; 

*** Médico, Mestre em Pneumologia pela UFRJ e Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB. 

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