Etiologia e patogênia da Asma Brônquica







A definição atual da asma brônquica, publicada recentemente no documento IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma1 é a seguinte: "Asma é uma doença inflamatória crônica caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, manifestando-se clinicamente por episódios recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manhã, ao despertar. Resulta de uma interação entre carga genética, exposição ambiental a alérgenos e irritantes, e outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e manutenção dos sintomas".

Desta forma a asma brônquica é uma doença crônica, caracterizada por inflamação da via aérea, hiper-responsividade brônquica e crises de broncoespasmo com obstrução reversível ao fluxo aéreo. Um quarto aspecto que pode ser incluído nesta definição diz respeito às alterações anatomo-funcionais da via aérea inferior, chamadas em conjunto de remodelamento brônquico, e que estão diretamente relacionadas à inflamação crônica da via aérea e ao prognóstico da doença.

O desenvolvimento e manutenção da asma dependem da ação de fatores externos variados em indivíduos geneticamente predispostos e é considerada, em todo mundo, um problema de saúde pública, devido a alta prevalência e custos socioeconômicos.

Vários fatores, ambientais, ocupacionais e individuais (genéticos) estão associados ao desenvolvimento de asma brônquica.

Os principais fatores externos associados ao desenvolvimento de asma são os alérgenos inaláveis (substâncias do corpo e fezes de ácaros domésticos, antígenos fúngicos, de insetos como baratas e de animais domésticos, além de polens) e os vírus respiratórios, particularmente as infecções pelo vírus sincicial respiratório (VSR) nos primeiros anos de vida. Poluentes ambientais como a fumaça de cigarro, gazes e poluentes particulados em suspensão no ar, como as partículas provenientes da combustão do óleo diesel, também parecem atuar como fatores promotores ou facilitadores da sensibilização aos alérgenos e da hiper-responsividade brônquica em indivíduos predispostos.

Em relação aos agentes ocupacionais, cerca de 300 substâncias já foram identificadas como potenciais agentes causais de asma ocupacional, e acredita-se que 10% das asmas iniciadas na idade adulta estejam associadas a estes agentes15.

Diversos genes candidatos, em diferentes níveis de associação e penetração, têm sido associados a diferentes fenótipos de asma. Tipicamente, o impacto destes diversos genes individualmente nas manifestações fenotípicas da doença é pequeno, entretanto, grandes efeitos podem advir da atuação sinérgica de múltiplos
destes genes, em um contexto ambiental favorável. A grande heterogeneidade fenotípica da asma, que pode iniciar em qualquer idade, pode ser intermitente e leve, e até mesmo transitória, ou, ao contrário, persistente e extremamente grave, além de estar associada a diferentes fenótipos intermediários, como atopia, hiper-responsividade brônquica, níveis séricos de IgE, dermatite atópica, dentre outros, colabora para a dificuldade na caracterização do papel específico de genes isolados no desenvolvimento da doença.

Mais de 30 genes já foram identificados como candidatos a susceptibilidade no desenvolvimento de asma, e estão divididos em quatro grandes grupos: (a) associados a imunidade inata e imunoregulação (p.ex. CD14, TLR2, 4, 6, 10, IL-10, TGF-beta e HLA DR, DQ e DP); (b) associados a atopia, diferenciação Th2 e suas funções (p.ex. GATA-3, IL-4, IL-4R, FcεRI, IL-5, IL-5R e STAT-6); (c) associados a biologia epitelial e imunidade das mucosas (p.ex. genes de quimiocinas CCL5/RANTES, CCL11, CCL24, CCL26, filagrina e outros) e (d) associados a função pulmonar e remodelamento brônquico (ADAM-33, DPP-10 e HLA-G dentre outros)14. Além disso, outras características individuais também estão associadas ao desenvolvimento de asma. Crianças do sexo masculino têm risco 2 vezes superior de desenvolver asma em comparação com meninas da mesma idade, assim como a obesidade tem sido associada ao maior risco de asma15.

A inflamação brônquica constitui o mais importante mecanismo fisiopatológico da asma, e resulta de interações complexas entre células inflamatórias, mediadores e células estruturais das vias aéreas. Está presente não apenas em asmáticos graves ou com doença de longa duração, mas também em pacientes com asma de início recente, em pacientes com formas leves da doença e mesmo nos assintomáticos. A mucosa brônquica inflamada torna-se hiper-reativa a diversos estímulos, sejam eles alérgicos ou não.

Na asma alérgica, que representa a maioria dos casos, a resposta mediada por IgE causa alterações imediatas, minutos após a exposição ao(s) alérgeno(s), e alterações tardias, que representarão a resposta inflamatória crônica característica da doença (Fig.1).


Figura 1. Fases da Resposta IgE-mediada (Abbas & Lichtman, Celular and molecular immunology 2005).



Os indivíduos atópicos, que têm a predisposição geneticamente determinada para produzirem grandes quantidades de anticorpos IgE específicos para alérgenos ambientais/inaláveis (substâncias de ácaros da poeira, fungos, insetos, animais domésticos e polens), após estarem sensibilizados, ou seja, já produzirem IgE específica para um ou mais destes alérgenos, apresentam uma resposta de hipersensibilidade imediata (mediada por IgE) na mucosa da via aérea quando inalam essas substâncias. A ligação do alérgeno a IgE na membrana dos mastócitos na mucosa e submucosa brônquica leva à ativação e desgranulação destas células, que liberam mediadores inflamatórios pré-formados (já estocados em seus grânulos), como a histamina e o fator ativador de plaquetas (PAF), e mediadores neoformados, produzidos a partir do ácido aracdônico liberado da membrana celular, como prostaglandinas e leucotrienos. Os efeitos imediatos destas substâncias são vasodilatação e extravazamento vascular, com consequente edema da parede brônquica, hipersecreção de muco e broncoconstrição, responsáveis pelas manifestações clínicas da crise de asma (dispneia, tosse com secreção viscosa, sibilos e sensação de aperto no peito).

Os mastócitos ativados também produzem interleucinas (IL)-3, IL-5, e fator estimulador de crescimento de granulócitos e monócitos (GM-CSF) que, junto com os leucotrienos, atraem e ativam outras células inflamatórias à parede brônquica, que perpetuarão o processo inflamatório local. Isso confere características especiais à inflamação brônquica da asma, além da ativação e desgranulação de mastócitos, como infiltração eosinofílica, lesão intersticial e epitelial das vias aéreas e ativação de linfócitos Th2 que produzem citocinas, como IL-4, IL-5, IL-13, entre outras, responsáveis pela amplificação e agravamento do processo inflamatório.

A IL-4 tem papel importante no aumento tanto da produção de IgE específica como da expressão de receptores de alta e baixa afinidade para IgE por muitas células inflamatórias, como mastócitos, basófilos e eosinófilos. A IL-5 é importante na atração, ativação e aumento da sobrevida de eosinófilos, principal célula efetora da lesão tecidual através da liberação de proteínas catiônicas que agridem a matriz extracelular e as células epiteliais. A IL-13 age de forma análoga a IL-4, aumentando a produção de IgE específica por linfócitos B diferenciados em plasmócitos, tanto em nível local como a distância.

Vários mediadores inflamatórios e citocinas também são liberados por outras células ativadas, como macrófagos (fator de necrose tumoral - TNFα, IL-6, óxido nítrico), pelos linfócitos T (IL-2, IL-3, IL-4, IL-5 e GM-CSF), pelos eosinófilos (proteína básica principal - MBP, proteína catiônica eosinofílica - ECP, peroxidase eosinofílica - EPO, PGs, LTs e citocinas), pelos neutrófilos (elastase) e pelas células epiteliais (endotelina-1, LTs, PGs, óxido nítrico). Além disso, o endotélio vascular ativado tem um papel importante no recrutamento de células inflamatórias através do aumento da expressão de moléculas de adesão como ICAM-1 e VCAM-1.

Através de seus mediadores, as células causam lesões e alterações na integridade epitelial, anormalidades no controle neural autonômico e no tônus da via aérea, alterações na permeabilidade vascular, hipersecreção de muco, mudanças na função mucociliar e aumento da reatividade do músculo liso da via aérea, levando à hiper-responsividade brônquica.

Neste processo inflamatório crônico, as células epiteliais e miofibroblastos, presentes abaixo do epitélio, se ativam e proliferam iniciando a deposição intersticial de colágeno e proteoglicanos na lâmina reticular da membrana basal, o que explica o seu aparente espessamento e as lesões irreversíveis que podem ocorrer em pacientes com asma mais grave ou de longa evolução. Outras alterações, incluindo hipertrofia e hiperplasia do músculo liso, elevação no número de células caliciformes, aumento das glândulas e vasos sanguíneos submucosos e alteração no depósito/degradação dos componentes da matriz extracelular, são constituintes do remodelamento que interfere na arquitetura da via aérea, podendo levar à irreversibilidade da obstrução brônquica nos casos graves e de longa evolução. Todas estas alterações estruturais ocorrem devido à ativação e desregulação da atividade normal da chamada unidade trófica epitélio-mesenquimal, representada pelo epitélio brônquico, os miofibroblastos da camada subepitelial e o músculo liso brônquico. Estudos recentes, inclusive, demonstraram a capacidade da célula muscular lisa ativada transformar-se também numa célula com atividade pró-inflamatória, produzindo citocinas e adquirindo a capacidade de expressar diversas moléculas de superfície importantes na inflamação crônica.

Infecções virais do trato respiratório alto ou baixo são o principal fator desencadeante de crises tanto em adultos quanto em crianças. Os vírus respiratórios têm a capacidade de aumentar consideravelmente a hiper-responsividade brônquica, ao estimularem o processo inflamatório e aumentarem a disfunção autonômica local, com aumento significativo da produção de neuropeptídeos (substância P, neurocininas A e B, etc.) pelas fibras nervosas não-adrenérgicas/não colinérgicas (NANC) da submucosa. Além disso, o atópico apresenta maior facilidade em contrair infecções virais respiratórias, particularmente pelo rinovírus, que utiliza moléculas de adesão como ICAM-1, que têm sua expressão aumentada no epitélio brônquico inflamado, como receptores para a infecção destas células. Desta forma, os vírus podem ser importantes fatores de aumento e manutenção da inflamação brônquica e de agravamento da doença, particularmente em crianças.

Alterações anátomo-patológicas, anteriormente identificadas apenas em casos graves de morte por asma, atualmente são, graças aos métodos disponíveis de estudo e obtenção de biópsias brônquicas, encontradas mesmo em indivíduos com formas leves da doença e até mesmo em crianças.

A fibrose subepitelial está presente, em graus variáveis, em todos os indivíduos com asma, mesmo antes do surgimento de sintomas. Há hipertrofia e hiperplasia da musculatura lisa brônquica, que se correlaciona com a gravidade e o tempo de doença. Estas alterações, associadas à proliferação vascular e ao aumento de tamanho das glândulas submucosas, colaboram para o progressivo espessamento da parede brônquica, denominado de remodelamento brônquico, e redução da reversibilidade da obstrução ao fluxo aéreo.

Com a progressão do processo inflamatório e a consequente lesão ao epitélio brônquico, ocorre destacamento de áreas de células epiteliais contíguas e maior exposição de terminações nervosas sensitivas a agentes irritantes, bem como de células inflamatórias a alérgenos. Em casos de morte por asma, observa-se grande quantidade de muco rico em eosinófilos na luz brônquica, cristais de Charcot-Layden (agregados de proteínas catiônicas eosinofílicas), espirais de Curchmann (aglomerados de eosinófilos moldados), extensa lesão epitelial, e intenso infiltrado de linfócitos e eosinófilos na submucosa, além de exagerado aumento da musculatura lisa brônquica, de glândulas da submucosa brônquica e extensa fibrose com espessamento subepitelial, ou seja, extenso remodelamento da via aérea inferior (Fig.2).


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