Treinamento muscular respiratório na revascularização do miocárdio








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Nas últimas décadas, os procedimentos relacionados à revascularização miocárdica, especificamente ao ato peri-operatório, melhoraram consideravelmente, resultando em menor frequência de complicações relacionadas ao mesmo. No entanto, a incidência de complicações pulmonares, no período pós-operatório, permaneceu estável. O efeito deletério da cirurgia cardíaca sobre a função pulmonar pode resultar em maiores índices de morbi-mortalidade, maior tempo de internação hospitalar, e ainda maior dispêndio de recursos físicos e financeiros [1,2]. Disfunções respiratórias no pós-operatório cardíaco são geralmente multifatoriais e podem estar presentes possivelmente porque nos dias de hoje as cirurgias de revascularização miocárdica são realizadas em pacientes mais frágeis (alto risco), com maior tendência a limitações de reserva funcional e, muitas vezes, com maior idade associada [1,3].

São diversos os fatores que podem comprometer a capacidade ventilatória nessa população. Pode-se considerar que tais pacientes, após revascularização miocárdica, se tornam propensos a desenvolver complicações pulmonares, decorrentes de intervenções intraoperatórias, como a anestesia, circulação extracorpórea (CEC), toracotomia ou esternotomia, estado hemodinâmico do paciente, tipo e duração da cirurgia, dor e colocação de drenos torácicos, resultando em redução de volumes e capacidades pulmonares, alterações dos valores de oxigenação sanguínea e, principalmente, na redução da expansibilidade pulmonar, o que propicia a instalação de quadros de atelectasias e pneumonias.

Além disso, ocorre disfunção muscular respiratória, relacionada com a perda da capacidade de gerar força [4-6]. Têm sido constatados valores significativamente menores da pressão inspiratória máxima (PImáx) e pressão expiratória máxima (PEmáx) em relação aos valores pré-operatórios nos pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca. Essas diminuições ocorrem devido a alterações nas propriedades mecânicas do pulmão e da parede torácica, decorrentes dos diversos fatores expostos anteriormente [7].

Tendo em vista o quadro de disfunção pulmonar associado à cirurgia cardíaca e suas possíveis repercussões, a fisioterapia respiratória tem sido amplamente requisitada, com o intuito reverter ou amenizar tal quadro, evitando o desenvolvimento de complicações pulmonares. Utiliza grande variedade de técnicas, como, por exemplo, estimular a mobilização precoce após a cirurgia, minimizando a perda de massa muscular e o uso de pressão positiva intermitente, para melhorar a ventilação pulmonar [8,9].

Dentre os diversos procedimentos empregados pela fisioterapia respiratória em pacientes pós-operados em geral, encontra-se o treinamento da força muscular respiratória que, nesse tipo de paciente, pode ser útil no restabelecimento da função pulmonar. Pode, também, promover melhor eficácia na desobstrução das vias aéreas, por intermédio de tosse efetiva, além de potencialmente prevenir também a fadiga muscular respiratória [10].

Com base no exposto anteriormente, justifica-se a realização do presente estudo, que tem por objetivo evidenciar a perda de força presente nos pacientes submetidos à revascularização miocárdica, no período de pós-operatório. Também pretende demonstrar que a realização do treinamento muscular respiratório, durante o período de internação pós-operatório, pode aumentar a capacidade respiratória dessa população, minimizando eventuais complicações e fornecendo evidências científicas que fortaleçam a prescrição de cuidados fisioterapêuticos em ambientes de terapia intensiva e enfermaria cardiológica.


MÉTODOS

O estudo consistiu em pesquisa analítica, experimental e aleatória. A mesma foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Marcelina, em consoante à Declaração de Helsinki, sob o número de registro 24/08. Todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a realização desse trabalho, no cálculo da amostra, considerando-se um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de 5%, calculou-se o tamanho da amostra em 46 indivíduos. A amostra foi composta por indivíduos em idade adulta, submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio com CEC.

Os indivíduos foram randomizados, sendo usada uma tabela gerada por programa de computador, com auxílio de profissional estatístico, em dois grupos: grupo controle (CO), com 23 indivíduos e grupo treinamento muscular respiratório (TMR), com 23 indivíduos. Com relação à cirurgia cardíaca em si, todas tinham caráter eletivo, sendo que os pacientes foram colocados operados sob efeito de anestesia geral durante as mesmas, recebendo ventilação mecânica com volume garantido por ventilometria entre 6 e 12 ml/kg de peso corporal, sendo ventilados com pressão expiratória positiva final (PEEP) entre 5 e 7 cmH2O. O tempo de CEC não excedeu 120 minutos em nenhum dos pacientes operados. A amostra foi obtida adotando-se os seguintes critérios de inclusão: indivíduos com cognitivo preservado para entendimento de ordens simples, submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio com CEC, com idade maior que 45 anos, presença de um dreno mediastinal e um dreno torácico inserido por via intercostal.

Pacientes que não se enquadraram nos critérios de inclusão ou que apresentaram complicação durante a cirurgia, tais como parada cardiorrespiratória fora da CEC e necessidade de implante de balão intra-aórtico, foram excluídos. Foram também excluídos pacientes que apresentaram, durante a estada na UTI, arritmias ventriculares com baixo débito associado, perda sanguínea acima de 500 ml ou necessidade de reintubação e retorno à ventilação mecânica. Antes da realização da cirurgia, de acordo com avaliações clínicas, não foram verificadas limitações significantes ao fluxo expiratório, que poderiam caracterizar doença pulmonar obstrutiva crônica nesses pacientes.

No grupo CO, do total de 23 pacientes randomizados, oito não terminaram o protocolo de tratamento, sendo que, desses, dois apresentaram arritmias ventriculares com baixo débito associado, dois necessitaram de reintubação durante o período de UTI e ainda quatro indivíduos não puderam ter seus dados coletados por alta hospitalar não programada com antecedência, o que inviabilizou a coleta dos dados no período de término do tratamento.

Portanto, nos 15 indivíduos restantes, realizou-se apenas a fisioterapia convencional, que consistiu em manobras de higiene brônquica (vibrocompressão, composta de quatro séries de seis ciclos expiratórios, realizada com auxílio das mãos na superfície do tórax, associada à drenagem postural, colocando, com base na imagem radiológica, o lado mais afetado do pulmão para cima, sendo a posição mantida por 20 minutos para maximizar a drenagem de secreções) e aspiração traqueal quando necessária (três a cinco aspirações com usa de sonda de número 12 ou 14, por via nasotraqueal, com duração máxima de dez segundos para cada uma das aspirações). Ambos os grupos receberam atendimento fisioterapêutico em duas sessões diárias (manhã e tarde), conforme rotina de atendimentos do serviço. Ressalta-se que nenhum dos pacientes foi submetido ao TMR ano período pré-operatório.

O grupo TMR, que totalizou 23 indivíduos, realizou fisioterapia convencional + TMR com o aparelho Threshold - IMT® (Threshold Inspiratory Muscle Trainer, HealthscanProducts Inc.). O protocolo de TMR foi realizado da seguinte maneira: três séries de dez repetições, uma vez ao dia, durante todos os dias de internação no pós-operatório, com carga de 40% do valor da PImáx inicial, obtida por manovacuômetro analógico (Comercial Médica®).

Tal protocolo foi adaptado com base no estudo de Hulzebos et al. [11], que utilizaram cargas de 30% da PiMáx inicial, com maior número de repetições (20 minutos de exposição). Nosso grupo buscou utilizar uma carga de trabalho maior (40%), com menor número de repetições (três séries de dez repetições, com intervalo de dois minutos entre as séries), evitando eventual desgaste muscular do paciente, o que poderia acontecer com o uso do dispositivo resistor inspiratório por tempos maiores, como os que foram utilizados no protocolo original proposto por Hulzebos et al [11]. Tal mudança foi também realizada com o intuito de enfatizar o trabalho de fibras musculares intermediárias (IIa), visando ao desenvolvimento de força muscular e ao aumento do componente de resistência, características desse tipo de fibras (brancas e oxidativas). O grupo TMR realizou o mesmo sempre no período matutino.

Foram avaliadas as seguintes variáveis, em três momentos (no pré-operatório, pós-operatório imediato e momento da alta hospitalar): pressões inspiratória máxima (PImáx) e expiratória máxima (PEmáx) com uso de um manovacuômetro analógico, dispneia (Escala de Dispneia de Borg), dor (Escala Visual Analógica de Dor), pico de fluxo expiratório (PFE) com auxílio de aparelho peak flow digital (PiKo®) e, por fim, volume corrente (VC) por meio de ventilômetro digital (Ventronic®).

Todos os procedimentos, aplicados pelo mesmo pesquisador, para avaliação dos pacientes foram antes explicados e treinados pelos mesmos, com o uso dos respectivos dispositivos, no intuito de se evitarem valores incorretos nas mensurações. Os valores de Pimáx, PEmáx e PFE foram avaliados por três vezes, com intervalos de um minuto entre cada medição, em cada um dos diferentes momentos, sendo que foi considerado para a análise estatística o maior valor obtido em cada um dos parâmetros. A mensuração da Pimáx foi realizada a partir da capacidade residual funcional e a mensuração da PEmáx foi realizada a partir da capacidade pulmonar total do indivíduo. A mensuração do VC foi realizada por meio da mensuração do volume minuto dos pacientes, registrado por um minuto, após adaptação do equipamento na boca dos sujeitos da pesquisa. Simultaneamente foi registrada a frequência respiratória dos mesmos. O VC foi obtido dividindo-se o volume minuto pela frequência respiratória dos indivíduos. Todos os procedimentos metodológicos de coleta de dados foram baseados em experiências anteriores de nosso grupo de pesquisa [12,13].

Os resultados obtidos no estudo foram expressos por médias e desvio padrão das médias. A normalidade dos dados foi aferida com base no teste de Shapiro-Wilk. Na comparação dos grupos em relação às variáveis quantitativas do estudo foi utilizado o teste de análise de variância (ANOVA) de dois caminhos, com post hoc de Scheffé para valores de P<0,05. Na comparação das características antropométricas foi utilizado o teste de análise de variância de um caminho, com post hoc de Newman-Keuls para valores de P<0,05.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação às características antropométricas da amostra estudada, após a randomização, o grupo TMR apresentou idade média de 62,13 ± 8,10 anos, enquanto o grupo CO apresentou média de 67,08 ± 7,11 anos, com P=0,09. O grupo TMR foi composto por 23 pacientes, sendo 19 do sexo masculino, enquanto o grupo CO foi composto por 15 pacientes, sendo seis do sexo masculino (P=0,10). O índice de massa corpórea de ambos os grupos era semelhante (TMR: 28,08 ± 6,23 versus CO: 29,10 ± 5,43, P=0,23).

Em concordância com a literatura, nosso estudo evidenciou diminuição significante da capacidade ventilatória nos dois grupos estudados, no primeiro dia de pós-operatório. Todas as variáveis ventilatórias estudadas (Pimáx, PEmáx, VC, PFE) apresentaram o mesmo comportamento, o que também foi verificado no estudo de Nardi et al. [14], onde houve redução importante (aproximadamente 50%) em quase todos os valores estudados (VC, Pimáx, PEmáx, PFE) quando comparado o pré-operatório ao primeiro dia de pós-operatório. Cirurgias cardíacas com CEC determinam alterações sistêmicas que demandam cuidados específicos no pós-operatório. Dentre essas alterações sistêmicas, destacam-se as de origem pulmonar e as que são provenientes de diversos fatores, tais como tempo de CEC, uso de anestésicos, dor pós-operatória, medo, presença de fatores de risco, uso de drenos de tórax intercostais, entre outros [10,15]. Pacientes submetidos à cirurgia cardíaca desenvolvem, em sua maioria, disfunção pulmonar, com redução importante dos volumes pulmonares, prejuízos na mecânica respiratória, diminuição na complacência pulmonar e aumento do trabalho respiratório [16].

Em nosso estudo, observou-se a ocorrência de alterações importantes da Pimáx, PEmáx, VC e PFE em todos os indivíduos submetidos à cirurgia e às aferições das variáveis, quando comparados os valores de pré-operatório, de pós-operatório imediato e os valores obtidos no dia da alta hospitalar, no grupo submetido à revascularização miocárdica que não realizou o TMR. Comportamento diferente foi observado no grupo TMR, que apresentou restabelecimento da função ventilatória no momento da alta hospitalar, retornando seus parâmetros aos valores inicialmente observados, antes da cirurgia.

A Figura 1A, que ilustra as alterações no volume corrente, demonstra que os valores diminuíram significativamente na comparação entre o pré e o pós-operatório imediato em ambos os grupos. No grupo TMR, a média do VC caiu de 0,77 ± 0,22 para 0,46 ± 0,18 L/min (P =0,00) e, no grupo CO, o VC reduziu de 0,63 ± 0,18 para 0,43 ± 0,16 L/min (P=0,00), o que evidencia uma queda de iguais proporções entre os grupos. No entanto, o grupo TMR apresentou maiores valores do VC no momento da alta, quando comparado ao grupo CO (0,71 ± 0,21 vs. 0,44 ± 0,12 litros), demonstrando diferença estatística significante (P=0,00). A recuperação do volume corrente observada demonstra maior capacidade de trocas gasosas nos pacientes submetidos ao TMR, o que pode contribuir para melhor oxigenação tecidual acompanhada de menores índices de distúrbios metabólicos ou respiratórios, do ponto de vista do equilíbrio ácido-básico, nessa população.


Fig. 1 - (A) Volume corrente (VC) nos dois grupos estudados em três momentos: pré- operatório, primeiro dia de pós-operatório (1º PO) e momento da alta hospitalar; (B) Pico de fluxo expiratório nos dois grupos estudados em três momentos: pré-operatório, primeiro dia de pós-operatório (1º PO) e momento da alta hospitalar. CO = grupo controle; TMR = grupo treinamento muscular respiratório; lpm = litros por minuto; *1º PO vs. préoperatório; + TMR vs. CO



A Figura 1B ilustra o comportamento do pico de fluxo expiratório nos três momentos estudados, nos dois grupos. Observa-se, em ambos os grupos, o mesmo comportamento da variável anterior. Este, representado por queda importante nos valores do primeiro dia de pós-operatório em relação aos valores de pré-operatório e recuperação significativa de valores apenas no momento da alta, quando considerado o grupo TMR (281,17 ± 93,26 l/min no pré-operatório, 132,89 ± 87,19 l/min, no primeiro dia de pós-operatório e 237,14 ± 93,21 l/min, no último dia de internação). O grupo CO apresentou queda importante no primeiro dia de pós-operatório, mantendo os valores baixos no momento da alta (238,32 ± 156,51 l/min no pré-operatório, 134,64 ± 80,20 L/min no primeiro dia de pós-operatório e 157,14 ± 102,29 l/min no último dia de internação). Diferenças de comportamento significantes corroboradas por um valor de P=0,02. Ressalta-se aqui que um maior pico de fluxo expiratório pode ser relacionado com maior capacidade de tosse por parte dos pacientes, o que é relevante para que se evite o acúmulo de secreções nas vias aéreas dos mesmos [12,17].

Conforme evidencia a Figura 2A, os valores de Pimáx no grupo CO apresentaram queda na capacidade de força inspiratória do pré para o primeiro dia de pós-operatório; mantidos os valores baixos no momento da alta hospitalar (pré-operatório: -72,46 ± -34,61 cmH2O; primeiro dia de pós-operatório: -50,01 ± -39,93 cmH2O; alta hospitalar: -55,38 ± -38,06 cmH2O, P=0,01). Os valores de Pimáx no grupo TMR também apresentaram queda do pré para o primeiro dia de pós-operatório, recuperando-se completamente a capacidade de força inspiratória no momento da alta hospitalar (pré-operatório: -91,71 ± -28,24; primeiro dia de pós-operatório: -63,35 ± -30,53 cmH2O; alta hospitalar: -90,66 ± -26,08 cmH2O, P=0,01).


Fig. 2 - (A) Pressão inspiratória máxima (Pimáx) nos dois grupos em três momentos: pré-operatório, primeiro dia de pós-operatório (1º PO) e momento da alta hospitalar; (B) Pressão expiratória máxima (Pemáx) nos dois grupos em três momentos: préoperatório, primeiro dia de pós-operatório (1º PO) e momento da alta hospitalar. CO = grupo controle; TMR = grupo treinamento muscular respiratório; cmH2O = centímetros de água; *1º PO vs. pré-operatório; + TMR vs. CO



Em relação à pressão expiratória máxima (Figura 2B), o grupo CO manteve o padrão de redução na capacidade expiratória (pré-operatório: 73,58 ± 30,60 cmH2O; primeiro dia de pós-operatório: 49,14 ± 30,71 cmH2O; alta hospitalar: 53,71 ± 26,71 cmH2O). O que chama atenção no caso da análise desta variável são as alterações dos valores do grupo TMR, onde a média de 97,65 ± 34,44 cmH2O no período pré-operatório caiu para 72,30 ± 32,38 cmH2O no pós-operatório imediato, aumentando para 99,21 ± 30,00 cmH2O no último dia de internação, demonstrando não só a recuperação total do valor inicial, bem como aumento da média por meio do treinamento muscular respiratório, também com significância estatística (P=0,02).

Estudo similar realizado por Ferreira et al. [18], que verificou os efeitos de um programa de reabilitação da musculatura inspiratória no pós-operatório de cirurgia cardíaca, demonstrou aumento da capacidade vital forçada, ventilação voluntária máxima e a relação entre o volume expirado forçado no primeiro segundo e a capacidade vital forçada, apontando similaridade entre as aferições iniciais e finais das pressões inspiratória e expiratória máximas, dado observado também em nosso estudo. Chiappa et al. [19] demonstraram que o treinamento muscular respiratório, realizado por quatro semanas em pacientes com insuficiência cardíaca, resultou em aumento da espessura do diafragma e maior capacidade do mesmo em gerar força (72% de aumento). Demonstraram, também, que a resistência à fadiga por parte do diafragma aumentou em cerca de 30%, no grupo de pacientes estudados. Os autores sugerem que o acúmulo de metabólitos musculares no diafragma treinado seria menor, o que facilitaria o mesmo a manter sua função com maior qualidade.

Diversos estudos evidenciam que a dor e a dispneia são fatores de grande importância quando presentes nos pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca [10,15,16]. Os níveis de dispneia dos pacientes submetidos ao presente estudo não aumentaram de maneira significante no primeiro dia de pós-operatório (P=0,63), conforme se observa na Figura 3A. Já os níveis de dor aumentaram em ambos os grupos no primeiro dia de pós-operatório, diminuindo no momento da alta hospitalar (P=0,00), como podemos analisar na Figura 3B.


Fig. 3 - (A) Escala de dispneia de Borg (em pontos) aplicada aos dois grupos em três momentos: pré-operatório, primeiro dia de pós-operatório (1º PO) e momento da alta hospitalar; (B) Escala visual analógica de dor aplicada aos dois grupos em três momentos: pré-operatório, primeiro dia de pós-operatório (1º PO) e momento da alta hospitalar. CO = grupo controle; TMR = grupo treinamento muscular respiratório; *1º PO vs. pré-operatório



O fato da dor em ambos os grupos ter se comportado de maneira semelhante em todos os momentos de avaliação reforça os benefícios do TMR em pacientes submetidos ao mesmo, já que dessa forma, com os grupos apresentando a mesma percepção dolorosa, valoriza-se a intervenção realizada, excluindo-se o fator dor como limitante para os piores resultados obtidos no grupo CO, quando comparados ao grupo TMR.

Com relação ao tempo de CEC, todos os pacientes realizaram a cirurgia de revascularização miocárdica com CEC, com uma média de 60±16 minutos de uso da mesma, sem diferenças significantes entre os dois grupos (TMR: 62±12 versus CO: 57±21 minutos, P=0,55). De acordo com Beluda e Bernasconi [20], o tempo de CEC prolongado apresentou relação direta com a incidência de complicações pulmonares pós-cirúrgicas. Em concordância com esse achado, Nardi et al. [14] também demonstraram alterações importantes relacionadas ao tempo de CEC, com redução marcante de capacidade respiratória no grupo submetido a tempo de CEC igual a 120 minutos.

Os dados obtidos no primeiro dia de pós-operatório, nos pacientes de nosso estudo, confirmam os resultados citados, no que diz respeito às alterações na mecânica ventilatória e complicações pulmonares, ainda que o tempo de CEC tenha sido praticamente 50% menor ao encontrado no estudo de Nardi et al. [14]. Fator a ser considerado diz respeito ao potencial de recuperação da capacidade respiratória nos indivíduos de nosso estudo, uma vez submetendo-se os mesmos ao TMR, já que as disfunções ventilatórias evidenciadas retrocederam no grupo treinado.

Neste estudo, os pacientes do grupo TMR permaneceram internados por 7±2 dias e os pacientes do grupo CO por 8±2 dias, não indicando, nesse momento, diferenças significantes com relação ao tempo de internação (P=0,07). Em contrapartida, em estudo realizado por Leguisamo et al. [21], o tempo médio de internação hospitalar em pacientes submetidos à orientação e intervenção fisioterapêutica no pré-operatório de cirurgia cardíaca foi de 14,65 ± 6,61 dias, no grupo controle, e de 11,77 ± 6,26 dias, no grupo intervenção. Houve diferença significante (P=0,005) no tempo de internação, sendo que o grupo que realizou a fisioterapia obteve a alta hospitalar precoce. A mediana do tempo de internação hospitalar foi de 9,0 dias (8,0-12,8) no grupo intervenção e de 12 dias (9,0-19,0), no grupo controle. A menor incidência de complicações pulmonares, como pneumonias e atelectasias, justificou tal achado. Acreditamos que, com um número maior de pacientes na amostra estudada, poderíamos também obter diferença estatística nos dados referentes ao tempo de internação, favorecendo um menor período de permanência no hospital para os pacientes submetidos ao TMR.

Dentro deste contexto, a fisioterapia respiratória tem sido cada vez mais requisitada, já que utiliza técnicas capazes de melhorar a mecânica respiratória, a expansibilidade pulmonar e a higiene brônquica [22-24]. Considerando-se que nas variáveis estudadas obtivemos resultados positivos e estatisticamente relevantes neste estudo, no sentido de demonstrar a eficácia da fisioterapia respiratória associada ao treinamento muscular respiratório, para a melhora ventilatória em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, enfatiza-se a necessidade da prescrição de tal procedimento por parte dos cirurgiões cardíacos, visando um melhor e pronto restabelecimento do paciente revascularizado.

Tal fato também foi verificado por meio de elegante revisão bibliográfica realizada por Renault et al. [25], na qual os autores concluem que comumente a cirurgia cardíaca leva a alterações na função pulmonar, relatando também a utilização da intervenção fisioterapêutica respiratória na reversão de quadros ventilatórios não favoráveis.

Nosso estudo tem limitações que devem ser consideradas. Não foi possível realizar o TMR no período pré-operatório, uma vez que a internação ocorria na véspera do procedimento cirúrgico, condição impeditiva para a realização do TMR antes da cirurgia. Acredita-se que os resultados seriam ainda mais expressivos com a realização do TMR no período pré-operatório. Outro viés refere-se à perda de pacientes no momento da alta, no grupo CO, que pode ter interferido de alguma maneira nos resultados obtidos em nosso estudo.


CONCLUSÕES

No primeiro dia após a revascularização miocárdica com uso de circulação extracorpórea, ocorre diminuição importante da força muscular respiratória, evidenciada pela diminuição das pressões inspiratória e expiratória máximas, acompanhada de piora importante da função ventilatória, caracterizada pela diminuição do volume corrente e do pico de fluxo expiratório, na amostra estudada. A utilização do treinamento muscular respiratório é eficaz para recuperação dos valores de pressão inspiratória máxima, pressão expiratória máxima, volume corrente e pico de fluxo expiratório. Reforça-se a necessidade de assistência por equipe de reabilitação no ambiente de terapia intensiva.



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Graziella Ferreira BarrosI; Cláudia da Silva SantosI; Fernanda Boromello GranadoI; Patrícia Tatiane CostaI; Renán Prado LímacoII; Giulliano GardenghiIII
1. Pós-graduada em Fisioterapia Hospitalar pelo Hospital Santa Marcelina - Itaquera; Fisioterapeuta. 2. Especialista em Cirurgia Cardiovascular pelo InCor - HC/FMUSP; Responsável pelo Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Santa Marcelina - Itaquera. 3. Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Área de Concentração: Cardiologia; Coordenador Técnico do Instituto Movimento Reabilitação - Goiânia, GO. Coordenador do Curso de Aprimoramento Profissional em Fisioterapia Hospitalar do Hospital Santa Marcelina - Itaquera.
Trabalho realizado no Hospital Santa Marcelina - Itaquera, São Paulo, SP, Brasil; Instituto Movimento Reabilitação - Goiânia, GO, Brasil e Centro de Estudos Avançados e Formação Integrada - Goiânia, GO, Brasil
Endereço para correspondência:
Giulliano Gardenghi
Rua 05, número 432, apto 602 - Setor Oeste
Goiânia, GO, Brasil CEP: 74115-060
E-mail: giulliano@institutomovimento.net


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