Efeitos da fisioterapia respiratória sobre a pressão arterial em recém-nascidos pré-termo








A melhoria da assistência pré-natal, métodos mais eficazes de monitorar as condições fetais, além dos avanços da nutrição, da ventilação mecânica e da terapêutica com o surfactante exógeno vêm contribuindo para o aumento das taxas de sobrevida entre os recém-nascidos com peso de nascimento e idades gestacionais cada vez menores1. Como conseqüência, concomitantemente, houve um crescimento da ocorrência de seqüelas e disfunções na evolução desses recém-nascidos (RN), gerando preocupações com a qualidade de vida e o desenvolvimento dos recém-nascidos pré-termo (RNPT).

Uma das principais características do RNPT é a instabilidade dos sistemas de controle hormonal e neurogênico. Dependendo de sua idade gestacional, peso de nascimento e dos fatores que atuaram durante sua vida intra-uterina, esses RN podem apresentar maior risco de distúrbios durante o período neonatal e seqüelas que poderão comprometer seu desenvolvimento2,3. Dentre as complicações neonatais apontadas como possíveis fatores de risco, citam-se a asfixia perinatal, as infecções, o uso de ventilação mecânica e a hemorragia peri-intraventricular.

As lesões cerebrais no RNPT são múltiplas, e a hemorragia peri-intraventricular (HPIV) permanece como a lesão mais descrita e conhecida, principalmente a da matriz germinativa, podendo evoluir, nos casos mais graves, para sangramento para dentro do sistema ventricular adjacente ou para a substância branca periventricular. O risco de ocorrência dessas morbidades é inversamente relacionado com o peso de nascimento e a idade gestacional4.

É bem conhecido o fato de que a HPIV ocorre com maior freqüência nas primeiras 72 horas de vida nos RNPT com peso de nascimento inferior a 1.500 gramas. Várias alterações na matriz germinativa podem determinar a origem dos processos hemorrágicos. Uma das alterações mais estudadas são as do fluxo sangüíneo cerebral - flutuação, aumento e diminuição -, uma vez que os RNPT apresentam falha na auto-regulação, ficando passivamente expostos às variações da pressão arterial sistêmica, o que aumenta as chances de sangramento na tênue rede capilar da matriz germinativa5,6.

As oscilações na pressão sangüínea arterial são muito freqüentes e estão relacionadas à manipulação excessiva do RN, cuidados básicos concomitantes com inadvertidos estímulos nocivos, aspiração de secreções e outros procedimentos médicos, de enfermagem e de fisioterapia.

As manobras específicas de fisioterapia respiratória e a aspiração endotraqueal são procedimentos realizados rotineiramente nas unidades neonatais em recém-nascidos submetidos à ventilação mecânica com o objetivo de prevenir e/ou tratar complicações pulmonares; entretanto, são escassos os estudos que comparam os efeitos fisiológicos dos procedimentos fisioterapêuticos e de aspiração endotraqueal nessa população específica7,8.

A determinação da pressão arterial é indispensável e deve ser realizada freqüentemente nos RNPT sob cuidados intensivos, já que as oscilações na pressão arterial sistêmica são diretamente proporcionais às oscilações do fluxo sangüíneo cerebral nos prematuros, pela falha do mecanismo de auto-regulação, e estão significativamente associadas ao desenvolvimento da HPIV9.

Um programa de tratamento fisioterapêutico bem elaborado, respeitando a fisiologia e fisiopatologias do RNPT de alto risco, pode prevenir alguns dos fatores que contribuem para o sangramento, uma vez que reduz os episódios de hipoxemia causadas pelo acúmulo de secreção e suas complicações, bem como reduz o tempo de ventilação mecânica.

Por outro lado, a utilização de técnicas fisioterapêuticas inadequadas e sua conseqüente influência na estabilidade clínica geral e nas flutuações do fluxo sangüíneo cerebral podem aumentar a vulnerabilidade do RNPT à HIPV.

O objetivo deste estudo foi avaliar a influência da fisioterapia respiratória e da aspiração endotraqueal sobre a pressão arterial sistêmica em RNPT submetidos à ventilação mecânica na primeira semana de vida.

 

METODOLOGIA

O estudo do tipo transversal foi conduzido de forma prospectiva, no Berçário Anexo à Maternidade do Hospital das Clínicas da FMUSP. Os recém-nascidos pré-termo (idade gestacional inferior a 37 semanas) foram incluídos após o consentimento dos pais. Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da instituição.

Foram incluídos 42 RNPT de ambos os sexos com peso de nascimento menor que 1.500 gramas que estavam em ventilação mecânica durante a primeira semana de vida. Foram excluídos os recém-nascidos portadores de malformações congênitas graves, com síndromes genéticas, além das situações clínicas em que a fisioterapia respiratória era contra-indicada (pneumotórax não drenado, hipertensão pulmonar, persistência de canal arterial e coagulopatias).

O estudo foi desenvolvido no período de fevereiro de 2003 a setembro de 2004, preenchendo-se um formulário para cada recém-nascido incluído, por meio da consulta de seus prontuários, sendo coletadas as seguintes informações: data de nascimento, tipo de parto, sexo, idade gestacional (em semanas), peso de nascimento (em gramas), Boletim de Apgar de 1º , 5º o e 10º o minutos de vida, escore Crib (Clinical Risk Index for Babies) e os diagnósticos clínicos, com ênfase nas afecções respiratórias.

Os valores da pressão arterial sistêmica foram determinados pela medida de pressão arterial não-invasiva - método oscilométrico com manguito próprio - pelo sistema de monitorização de sinais vitais DX 2010-LCD (Dixtal Biomédica).

Os procedimentos utilizados compreenderam a associação entre os procedimentos fisioterapêuticos específicos - como o posicionamento em decúbitos lateral direito e esquerdo, a vibração manual, os exercícios de mecânica respiratória de apoio diafragmático - e o procedimento de aspiração endotraqueal. Segundo a normatização da instituição, precedeu ao procedimento de aspiração o aumento da fração inspirada de oxigênio em 10%.

Os valores da pressão arterial foram registrados antes do início de cada sessão de fisioterapia (momento A). Os RNPT receberam os procedimentos fisioterapêuticos por um período máximo de 10 minutos. As mesmas variáveis foram novamente mensuradas imediatamente após os procedimentos fisioterapêuticos (momento B) e após o procedimento de aspiração endotraqueal (momento C). Em cada recém-nascido estudado foram efetuadas seis sessões de fisioterapia, duas vezes ao dia. As variáveis estudadas foram controladas nas seis sessões de fisioterapia. A coleta de dados foi realizada entre o 3º e o 7º dia de vida, que compreende o período mais crítico da evolução dos RNPT, justificando a escolha da primeira semana de vida como critério de inclusão.

O tamanho da amostra foi calculado considerando-se detectar uma diferença de aproximadamente 10% nas médias da pressão arterial sistêmica (sistólica, diastólica e média). Para um alfa de 5% e um poder de teste de 80%, o n calculado foi de 40 recém-nascidos.

Inicialmente, os dados foram submetidos à análise descritiva, avaliando-se a distribuição de cada variável estudada. Os dados nominais foram descritos em termos de porcentagens e proporções. A comparação de cada variável estudada de acordo com o momento avaliado e a evolução entre as sessões foi feita pelo teste de medidas repetidas Anova one-way para a análise de variância. Os resultados foram considerados estatisticamente significantes quando os valores de p eram <0,05. Os dados foram processados no programa Sigma Stat10.

 

RESULTADOS

Em cada recém-nascido foram avaliadas seis sessões de fisioterapia, totalizando 252 sessões. As características da população estudada estão ilustradas na Tabela 1.

 

 

A variação das médias dos parâmetros estudados (pressão arterial sistólica, diastólica e média) de acordo com o momento analisado são apresentadas na Tabela 2.

 

 

As análises da pressão arterial sistêmica não mostraram variação significante na comparação entre os sexos feminino e masculino; também não foram observadas diferenças estatisticamente significantes conforme a idade gestacional nem o peso de nascimento. A variação das médias das pressões sistólica, diastólica e média, segundo a idade gestacional e o momento estudado, é apresentada nos Gráficos 1 a 3.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

O contínuo desenvolvimento da fisioterapia neonatal no Brasil, como vem ocorrendo em centros mais desenvolvidos, tem otimizado a utilização de recursos terapêuticos e de padrões de eficiência no tratamento intensivo, colaborando para a redução do tempo de hospitalização, dos custos e da morbidade dos recém-nascidos em terapia intensiva.

A assistência fisioterapêutica ao recém-nascido apresenta características próprias referentes ao peso, à imaturidade e às doenças prevalentes nessa população. Essas particularidades envolvem dificuldades que exigem cuidados especiais no que diz respeito aos recursos fisioterapêuticos.

Inúmeros fatores intra- e extravasculares podem concorrer para o sangramento ou o aumento deste, dentre os quais, as convulsões, os episódios de apnéia e hipoxemia, a persistência do canal arterial, a ventilação mecânica e, possivelmente, certos procedimentos, como a aspiração traqueal e a fisioterapia respiratória5,11.

Foram selecionados como parâmetros estudados os valores da pressão arterial sistólica, diastólica e média por serem representativos das oscilações do fluxo sangüíneo cerebral nos prematuros, pela deficiência do mecanismo de auto-regulação, significativamente associadas ao desenvolvimento da HPIV. Nesse sentido, a mensuração da pressão sangüínea faz-se imprescindível, para verificar a influência dos procedimentos fisioterapêuticos aqui utilizados e do procedimento de aspiração, sobre o fluxo sangüíneo cerebral9,12.

Os valores normais da pressão arterial sistêmica se modificam conforme a faixa etária; no caso dos recém-nascidos, considera-se a faixa de normalidade da pressão arterial sistólica os valores entre 50 e 80 mmHg, da pressão arterial diastólica entre 30 e 45 mmHg e, da pressão arterial média, entre 50 e 65 mmHg13,14,15.

Os resultados mostram que os valores pressóricos médios permaneceram dentro dos intervalos dos valores considerados fisiológicos, não alcançando significância estatística na comparação entre os momentos antes (A) e imediatamente após a fisioterapia (B). Esses resultados mostram que as intervenções fisioterapêuticas realizadas não podem ser consideradas prejudiciais para os RNPT, podendo-se deduzir que os procedimentos fisioterapêuticos estudados não exerceram influência sobre a hemodinâmica cerebral e, portanto, não contribuíram para a ocorrência de eventos hemorrágicos.

Também não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na comparação entre os momentos antes (A) e imediatamente após a aspiração endotraqueal (C); apesar disso, verificou-se oscilação maior dos valores pressóricos com a aspiração endotraqueal, com aumentos médios de mais de 2 mmHg nas pressões sistólica e média e aumento de mais 3 mmHg na pressão arterial diastólica.

Gronlund et al.16 sugerem que aumentos nas pressões sistólica, diastólica e média estão significativamente associados ao desenvolvimento da HPIV em recém-nascidos pré-termo. Tsuji et al.17 mostraram como o aumento da pressão arterial média estava associado às variações da oxigenação intravascular cerebral em prematuros criticamente doentes.

Estes resultados permitem dizer que o procedimento de aspiração endotraqueal e/ou de vias aéreas superiores provoca oscilações significantes em todas as variáveis da pressão arterial, ratificando que esse procedimento deve ser empregado somente quando estritamente necessário e não deve fazer parte rotineira do atendimento fisioterapêutico.

Resultados semelhantes são relatados por Perlman e Volpe18, Shah et al.19 e Segar et al.20, admitindo que os efeitos cardiovasculares da aspiração endotraqueal não sejam somente uma resposta fisiológica à hipoxemia. As alterações da pressão arterial e do ritmo cardíaco parecem ser medidas pelo sistema nervoso autônomo pela estimulação dos receptores simpáticos e parassimpáticos localizados nas vias aéreas proximais pelo catéter de aspiração. A ativação dos primeiros resultaria em vasoconstrição periférica e aumento da pressão arterial, enquanto as bradiarritmias seriam decorrentes da estimulação do sistema parassimpático. Essas respostas são críticas no período neonatal, em particular nos RNPT, já que nesses pacientes a irrigação do cérebro torna-se "pressão passiva" em conseqüência da falta de auto-regulação do fluxo sangüíneo.

Concluindo-se, na população estudada, a pressão arterial sistêmica (sistólica, diastólica e média) permaneceu dentro de valores fisiológicos após os procedimentos fisioterapêuticos e de aspiração endotraqueal. O procedimento de aspiração teve maior influência nas oscilações da pressão arterial sistêmica do que os procedimentos fisioterapêuticos.

 

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Endereço para correspondência:
Carla M. Nicolau
R. Fidalga 764 Vila Madalena
05432-000 São Paulo SP
e-mail: carla.nicolau@icr.usp.br



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