Fisioterapia respiratória no empiema pleural. Revisão sistemática da literatura*
INTRODUÇÃO
A fisioterapia respiratória surgiu em 1901, quando se relatou o benefício da drenagem postural no tratamento da bronquiectasia.(1) Nessa época, a tomada de decisão na clínica diária baseava-se em estudos científicos em sua maioria realizados com métodos rudimentares, no conhecimento fisiopatológico das doenças, em experiências pessoais e em informações obtidas através de livros e opiniões de professores ou peritos. Esse modus operandi certamente não responde às necessidades do profissional de saúde de hoje em dia. Seja para aqueles que seguem explicitamente os "paradigmas" da medicina baseada em evidências, seja para os que atuam de maneira diversa, a pesquisa evoluiu e a informação científica cresceu nos últimos anos de forma tal que o médico, fisioterapeuta ou outro profissional da área, necessita de uma postura crítica e atualizada no que diz respeito às intervenções que utiliza.
A fisioterapia respiratória tem como objetivo a remoção de secreções das vias aéreas, reduzindo a obstrução brônquica e a resistência das vias aéreas, facilitando as trocas gasosas e reduzindo o trabalho respiratório. Em afecções agudas, visa a encurtar o período de doença ou de repercussão funcional. Em processos crônicos, visa a retardar sua progressão ou mantê-los estacionados.(2)
O tratamento do empiema pleural, segundo os livros-texto de Pediatria e de Pneumologia Pediátrica, consiste em medidas de suporte, antibioticoterapia voltada para os germes prevalentes e drenagem pleural. Não há, no entanto, recomendações para o uso de fisioterapia respiratória.(3-5) Uma revisão recente sobre fisioterapia respiratória em pediatria não incluiu o empiema como indicação.(2) Todavia, verifica-se na prática diária que grande parte das crianças e adolescentes com a afecção utilizam este recurso. Com base nestas observações, os autores efetuaram uma revisão sistemática da literatura sobre a eficácia da fisioterapia respiratória no empiema pleural.
MÉTODOS
Visto serem os ensaios randomizados a melhor ferramenta de pesquisa para testar a eficácia de uma intervenção, e por ser a randomização o processo mais eficaz para se minimizar vieses, buscou-se na literatura estudos com esse delineamento, e revisões de literatura de ensaios randomizados sobre o assunto.(6) Propôs-se selecionar os ensaios conforme os critérios de Jadad et al., que classificam os estudos conforme a ocultação da alocação, mascaramento e perdas de seguimento.(7)
Como na fase inicial da busca não foram encontrados estudos com crianças e adolescentes, optou-se por não se restringir a pesquisa de artigos por idade, e foram incluídos estudos com adultos, o que tornou a revisão mais abrangente.
Foram incluídos estudos comparando fisioterapia respiratória com a não utilização desta terapia.
Efetuou-se uma revisão sistemática da literatura, em busca de ensaios clínicos sobre tratamento fisioterápico no empiema pleural nas seguintes bases de dados: PubMed - serviço de busca da National Library of Medicine que fornece citações de artigos biomédicos desde a década de 1950 - que inclui as bases de dados Oldmedline - primeira base de dados de Medicina, que abrange Medicina, Enfermagem, Odontologia, Medicina Veterinária, o Sistema de Saúde e ciências pré-clínicas - de 1951 a 1965, e Medline - a mesma base de dados - de 1966 até o presente; Cinahl - base de dados de Enfermagem e áreas de saúde correlatas (compilados desde 1982); Lilacs - base de dados de Ciências da Saúde da América Latina e Caribe (compilados desde 1982); registro de ensaios clínicos da Biblioteca Cochrane; e registro de ensaios do National Institute of Health. O período de busca foi até junho de 2004. As sintaxes de busca de ensaios clínicos do PubMed, Cinahl e Lilacs são mostradas no Quadro 1. Pesquisaram-se ainda revisões sistemáticas da literatura da Biblioteca Cochrane, com o termo "pleural effusion" e no Medline, com os termos "(pleural effusion) AND systematic[sb]". Procuraram-se artigos nas línguas espanhola, inglesa e portuguesa. Também foram contatados médicos pneumologistas gerais e pediátricos brasileiros, por correio eletrônico, na tentativa de se encontrar estudos não publicados, ou publicados em revistas não indexadas.
Idealizou-se avaliar os estudos por dois revisores independentes, e os estudos foram incluídos em um banco de dados em dupla entrada, com o software Review Manager, sendo em seguida checado por ambos. A concordância entre as avaliações seria determinada pelo teste de Kappa.
RESULTADOS
Na busca efetuada não se encontrou nenhum estudo com as características pré-estabelecidas, o que impossibilitou a execução da metaanálise.
DISCUSSÃO
"Na minha experiência" é uma frase que geralmente introduz uma afirmação de prejuízo de acurácia ou viés. A informação derivada não pode ser testada nem submetida a uma análise maior do que à do vago registro da memória de quem a proferiu (Michael Crichton, 1971).
Nesta revisão verifica-se que faltam evidências científicas de qualidade para apoiar a fisioterapia respiratória como recurso terapêutico no empiema pleural, seja em crianças, adolescentes, ou em adultos. As referências encontradas sobre o tema são de quatro livros-texto que não citam estudos sobre a eficácia da terapia. Resta, portanto, explorar os argumentos baseados na experiência de peritos ou de profissionais com experiência no assunto.
Mesmo se considerando os problemas decorrentes de conclusões baseadas em "experiência pessoal", na opinião dos autores - é importante que seja referida, haja vista a falta de evidências de melhor qualidade - não há razão para se admitir que empiemas não drenados sejam, por algum mecanismo de compressão ou similar, eliminados mais precocemente através de fisioterapia. Também parece ilógico pensar que a fisioterapia possa acelerar a eliminação do pus além da que é realizada pela drenagem pleural. Em primeiro lugar, porque o tempo total das sessões de fisioterapia é muito curto quando comparado com o tempo total da doença, e alguns minutos de tratamento não seriam significativamente eficazes. Adicionalmente, o tubo de drenagem introduzido provoca dor quando em atrito com a pleura, dificultando assim o processo de "expressão" do líquido alojado.
Se as evidências obtidas de estudos com pneumonia aguda não complicada forem extrapoladas para o empiema pleural, as conclusões também serão desfavoráveis à fisioterapia. Em um ensaio randomizado, não foi demonstrado benefício em 54 adultos.(8) Em um estudo similar, foi observado maior tempo de hospitalização e de febre nos pacientes submetidos à fisioterapia.(9) Recentemente, em um ensaio randomizado envolvendo crianças de um a doze anos de idade, cujos critérios de qualidade metodológica estabelecidos no Consort Statement foram preenchidos, demonstrou-se que o procedimento prolongou significativamente o tempo de hospitalização e aumentou a freqüência de febre.(10-11)
A fisioterapia respiratória também não é inócua. Mesmo desconsiderando-se métodos terapêuticos mais agressivos, como a ventilação não invasiva, incluída hoje no arsenal dos profissionais da área, pode determinar complicações significativas. Alguns autores relatam sua tendência refluxogênica, que pode provocar obstrução de vias aéreas, e pneumonia aspirativa, dentre outras.(12)
Há que se considerar também os custos do tratamento. Uma sessão de fisioterapia demora cerca de 30 minutos e exige a presença de um profissional capacitado, além de equipamento de custo significativo (bipap, aparelho de flutter, dentre outros) e de material de consumo (solução salina, broncodilatadores, material de limpeza, etc). Os recursos gastos nestes casos podem ser mais criteriosamente alocados em pacientes nos quais a fisioterapia tenha eficácia comprovada.
Embora os autores tenham contatado especialistas da área na tentativa de localizar estudos não publicados, é possível que a busca não tenha sido suficientemente abrangente, determinando que alguma pesquisa relevante para a presente revisão não tenha sido incluída. Todavia, um ensaio randomizado tem maior chance de ser publicado quando os resultados mostram-se favoráveis à terapia estudada.(13) Desse modo, é mais provável que estes possíveis estudos não incluídos atestem a ineficácia da fisioterapia, não afetando, portanto, os resultados encontrados.
Pesquisaram-se somente estudos publicados nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa, não sendo possível, portanto, afastar a possibilidade de viés de linguagem, ou seja, é possível que ensaios randomizados tenham sido publicados em outros idiomas afora os pesquisados e assim tenham sido excluídos. Todavia, a despeito destas limitações, esta revisão traça um perfil razoavelmente abrangente do assunto.
Pelo exposto acima, conclui-se que ensaios randomizados futuros são necessários para se avaliar com precisão a eficácia da fisioterapia respiratória no empiema pleural, em indivíduos de qualquer faixa etária.
REFERÊNCIAS
1. Moriyama LT, Guimarães MLLG, Juliani RCTP. Fisioterapia respiratória para crianças. In: Rozov T, editor. Doenças pulmonares em pediatria. Diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu; 1999. p.609-17. [ Links ]
2. Wallis C, Prasad A. Who needs chest physiotherapy? Moving from anecdote to evidence. Arch Dis Child. 1999;80(4):393-7. [ Links ]
3. Britto MCA, Falbo Neto GH, Ferreira OS, Bezerra PGM, Vilela PC, Alencar LF, et al. Derrame pleural. In: Figueira F, Ferreira OS, Alves JGB, editors. Pediatria. Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP). 2a editores. São Paulo: MEDSI; 1996. p.442-6. [ Links ]
4. Rodrigues JC. Derrames pleurais. In: Rozov T, editor. Doenças pulmonares em pediatria. Diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu; 1999. p. 233-44. [ Links ]
5. Winnie GB. Pleurisy. In: Behrman RE, Kliegman RE, Jenson HB, editors. Nelson textbook of pediatrics. 17th ed. New York: W B Saunders; 2003. p.1461-3. [ Links ]
6. Schulz KF, Grimes DA. Generation of allocation sequences in randomised trials: chance, not choice. Lancet. 2002;359(9305):515-9. [ Links ]
7. Jadad AR, Moore RA, Carroll D, Jenkinson C, Reynolds DJ, Gavaghan DJ, et al. Assessing the quality of reports of randomized clinical trials: is blinding necessary? Controlled Clinical Trials. 1996;17(1):1-12. [ Links ]
8. Graham WG, Bradley DA. Efficacy of chest physiotherapy and intermittent positive-pressure breathing in the resolution of pneumonia. N Engl J Med. 1978;299(12):624-7. [ Links ]
9. Britton S, Bejstedt M, Vedin L. Chest physiotherapy in primary pneumonia. BMJ. 1985;290(6483):1703-4. [ Links ]
10. Tartari JLL. Eficácia da fisioterapia respiratória em pacientes pediátricos hospitalizados com pneumonia adquirida na comunidade: um ensaio clínico randomizado [tese]. Porto Alegre: Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2003. [ Links ]
11. Moher D, Schulz KF, Altman DG. CONSORT Group. The CONSORT statement: revised recommendations for improving the quality of reports of parallel-group randomised trials. Lancet. 2001;357(9263):1191-4. [ Links ]
12. Ribeiro MAGO, Cunha ML, Etchebehere ECC, Camargo EE, Ribeiro JD, Condino-Neto A. Efeito da cisaprida e da fisioterapia respiratória sobre o refluxo gastroesofágico de lactentes chiadores segundo avaliaçäo cintilográfica. J Pediatr (Rio J). 2001;77(5):393-400. [ Links ]
13. Sutton AJ, Duval SJ, Tweedie RL, Abrams KR, Jones DR. Empirical assessment of effect of publication bias on meta-analyses. BMJ. 2000;320(7249):1574-7. [ Links ]
AUTOR:Murilo Carlos Amorim de BrittoI; Maria do Carmo Menezes Bezerra DuarteII; Silvia Maria Mendes da Conceição SilvestreIII
IDoutor em Saúde Pública. Pediatra pneumologista do Instituto Materno Infantil de Pernambuco, Recife (PE) Brasil
IIMestre em Saúde Materno Infantil. Pediatra intensivista do Instituto Materno Infantil de Pernambuco, Recife (PE) Brasil
IIIMestranda em Saúde Materno Infantil do Instituto Materno Infantil de Pernambuco; Pediatra do Hospital Pediátrico de Luanda - Angola
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