Atendimento fisioterapêutico no pós-operatório imediato de pacientes submetidos à cirurgia abdominal
A incidência de complicações pulmonares clinicamente relevantes no período pós-operatório de cirurgias abdominais varia de 5% a 30%. Estas são as principais causas de morbidade e mortalidade, aumentando o tempo de internação hospitalar, o uso de medicação e o custo hospitalar.(1) A fisioterapia respiratória demonstra-se efetiva no tratamento pós-operatório, diminuindo a incidência das complicações pulmonares nestes pacientes.(2,3)
Para minimizar as complicações relacionadas ao procedimento cirúrgico, faz-se necessário uma abordagem precoce nos pacientes que realizam este tipo de cirurgia. O presente estudo tem como objetivo avaliar o efeito do atendimento fisioterapêutico imediato na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) em indivíduos submetidos à cirurgia abdominal.
Este estudo caracteriza-se por ser um ensaio clínico randomizado, onde foram incluídos pacientes que realizaram cirurgia abdominal aberta e ficaram na SRPA. Excluiu-se os indivíduos que apresentaram sepse, doença neuromuscular degenerativa, traumatismo raquimedular ou AIDS, além dos pacientes que estivessem em ventilação mecânica ou realizaram cirurgia torácica associada.
Para a coleta de dados, no período pré-operatório e no primeiro pós-operatório, foi utilizada uma ficha de avaliação, onde foram coletadas as seguintes informações: sinais vitais, índice de massa corpórea, escala de dor, presença de tosse e secreção, tabagismo, força muscular respiratória, função pulmonar, história de doença pulmonar e escala Perioperative Respiratory Therapy.(4)
O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido para cada paciente, e o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
Os pacientes foram divididos em dois grupos: pacientes que receberam atendimento fisioterapêutico na SRPA e posteriormente nas enfermarias-grupo 1 (G1)-e pacientes que receberam fisioterapia somente nas enfermarias-grupo 2 (G2).
Após o paciente preencher os critérios de inclusão, realizou-se a avaliação previamente descrita, e o paciente foi posteriormente randomizado para um dos grupos. A randomização foi realizada através de envelopes pardos, tamanho ofício, sem marcações externas, os quais continham em seu interior uma folha com o seguinte dizer: "Fisioterapia na Sala de Recuperação (G1)" ou "Fisioterapia nas Enfermarias (G2)". Os envelopes foram divididos em blocos de dez, sendo cinco de cada grupo. Os mesmo eram embaralhados e numerados de 1 a 10. Logo, o primeiro paciente incluso no estudo corresponderia ao envelope 1 e assim sucessivamente. Após a finalização do bloco, este foi excluído e se procedia da mesma forma com o bloco seguinte.(5)
Foram mensurados as seguintes variáveis no teste de função pulmonar: CVF, PFE, VEF1 e índice de Tiffeneau (VEF1/CVF), os quais foram avaliados através de um espirômetro Vitalograph, MDO2120 (Maids Moreton, Buckingham, Reino Unido). Como referência, foram utilizadas as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar, descritas pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(6)
As pressões respiratórias máximas-pressão inspiratória máxima (PImáx) e pressão expiratória máxima (PEmáx)-, foram avaliadas através do uso de um manovauômetro digital modelo MVD300 (GlobalMed, Porto Alegre, Brasil), igualmente seguindo as recomendações das Diretrizes para Testes de Função Pulmonar.(6)
A avaliação da função pulmonar, assim como das pressões respiratórias máximas, foi realizada por um avaliador cegado, o qual não sabia a qual grupo o paciente pertencia.
A alta do paciente da SRPA era definida pela enfermeira responsável pela unidade e foi baseada em uma escala pós-anestésica.(7) Deve-se destacar que a enfermeira desconhecia o grupo ao qual o paciente pertencia.
A análise estatística foi realizada através do programa Statistical Package for the Social Sciences versão 14.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis categóricas foram descritas através da frequência, enquanto as contínuas foram expressas em média e desvio-padrão. Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov a fim de avaliar a normalidade das variáveis e, para a comparação entre as variáveis, utilizou-se o teste t de Student com um nível de significância adotado de 5%.
Foram incluídos no estudo 40 pacientes que realizaram o procedimento cirúrgico, e houve a perda de 4 pacientes, que tiveram alta hospitalar sem realizar a avaliação pós-operatória. Portanto, o estudo foi finalizado com 36 pacientes. No G1 foram incluídos 19 indivíduos, e 17 pertenceram ao G2. A média de idade foi de 51 anos no G1 e de 54 no G2, havendo um total de 29 pacientes do sexo feminino (80%). As cirurgias mais realizadas foram a colecistectomia aberta, laparatomia exploradora e hepatectomia parcial, cujo principal diagnóstico clínico encontrado foi a colecistite aguda, seguido por coledocolitíase.
As características antropométricas e clínicas da população estudada em cada grupo encontram-se na Tabela 1. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
No período pré-operatório, 72,2% dos pacientes não apresentaram alteração na ausculta pulmonar, e 72% dos mesmos não possuía tosse. O hábito tabágico foi observado em 31,6% dos pacientes do G1 e em 29,4% dos pacientes do G2. Em relação à presença de doença pulmonar prévia, observou-se que a maioria dos pacientes não a apresentava.
As variáveis dos testes de função pulmonar e de força muscular respiratória estão apresentadas na Tabela 2. Em relação aos dados espirométricos, houve diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) entre os grupos estudados, com uma queda significativa na CVF e no VEF1 no G2 quando comparado ao G1.
Em relação à força muscular respiratória, observou-se uma redução significativa na PEmáx no pós-operatório quando realizada a comparação intergrupos, evidenciando que o atendimento fisioterapêutico na SRPA preserva a queda na força muscular respiratória.
Quando se avaliou o tempo de permanência na SRPA, pôde-se evidenciar uma diminuição significativa (p = 0,001) no G1 (220,9 min) em relação ao G2 (309 min; Tabela 1).
Este estudo demonstrou que a intervenção fisioterapêutica na SRPA pode ser benéfica para os pacientes submetidos a cirurgias abdominais, pois os valores da função pulmonar e da força muscular respiratória nos pacientes que receberam o atendimento fisioterapêutico precocemente apresentaram menor variação do que o grupo que não realizou tal procedimento.
Pode-se observar uma homogeneidade em relação aos dois grupos em todos os parâmetros demográficos (Tabela 1), com predominância do sexo feminino. A média de idade de 53 anos concorda com os dados já estabelecidos na literatura, os quais afirmam haver uma maior prevalência de doenças abdominais no sexo feminino, principalmente na faixa etária dos 50 anos, em pacientes com colecistite.(8)
Diversos fatores contribuem para as complicações no período pós-operatório. A própria cirurgia realizada na região abdominal é uma delas. Estudos demonstraram que este tipo de abordagem contribui para o desenvolvimento de complicações pós-operatórias, as quais são mais frequentes que aquelas em decorrência de cirurgias torácicas e cardíacas.(9,10)
É evidente, nos dois grupos estudados, a queda na função pulmonar no período pós-operatório quando comparado ao pré-operatório, embora uma diferença estatisticamente significativa tenha sido encontrada somente no G2 (CVF e VEF1). Esse dado vai ao encontro dos achados de alguns autores, que demonstraram uma redução de 47% na capacidade vital de pacientes submetidos à gastroplastia em conjunto com uma redução significativa na força muscular respiratória.(11) Da mesma forma, outros autores demonstraram uma redução na força muscular respiratória em pacientes submetidos a laparotomias superiores eletivas, e que esta se apresentou menor que os valores previstos no período pré-operatório.(12) Neste mesmo estudo, encontrou-se uma redução no VEF1 e que estes indivíduos apresentavam um aumento de 6,5 vezes no risco de complicações pulmonares pós-operatórias quando comparados aos pacientes que somente realizaram a cirurgia abdominal.(12)
Em nosso estudo, pode-se evidenciar uma diminuição significativa na força muscular respiratória (PEmáx) em ambos os grupos avaliados após o procedimento cirúrgico. A PImáx no pós-operatório teve uma redução importante nos dois grupos; porém, no grupo que não realizou fisioterapia na SRPA, a redução da força muscular foi maior, mas sem diferença significativa. Da mesma forma, alguns autores relataram alterações na força da musculatura ventilatória em pacientes submetidos à cirurgia abdominal. Esta diminuição, segundo os autores, se deve à dor pós-operatória, visto que o grupo que realizou terapia analgésica no período do estudo teve menor alteração na força muscular ventilatória.(13) Segundo alguns autores, a prevenção de complicações pulmonares após cirurgias abdominais pode ser realizada através de um treinamento da musculatura inspiratória no período pré-operatório, evidenciando-se uma redução na incidência de atelectasia após o procedimento abdominal.(1)
Ao avaliarmos a história de doença pulmonar prévia, pudemos observar que a maioria dos pacientes não possuía alterações pulmonares, e que, segundo um estudo, a presença de doença pulmonar prévia aumenta a mortalidade dos pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico abdominal.(14)
Não foi utilizado na SRPA um protocolo padrão em relação às condutas e técnicas fisioterapêuticas; as mais comumente utilizadas foram a propriocepção diafragmática, os padrões ventilatórios insuflantes, as técnicas de expiração forçada, o retardo expiratório e a tosse assistida. Nas enfermarias, acrescentou-se às condutas anteriormente citadas a deambulação precoce. A não-padronização das técnicas fisioterapêuticas utilizadas é um fator que pode ter influenciado os resultados obtidos.
O atendimento fisioterapêutico no pósoperatório imediato de cirurgia abdominal demonstrou ser uma alternativa de tratamento precoce destes indivíduos, pois proporcionou a manutenção da função pulmonar e da força muscular expiratória.
Referências
1. Dronkers J, Veldman A, Hoberg E, van der Waal C, van Meeteren N. Prevention of pulmonary complications after upper abdominal surgery by preoperative intensive inspiratory muscle training: a randomized controlled pilot study. Clin Rehabil. 2008;22(2):134-42. [ Links ]
2. Hulzebos EH, van Meeteren NL, van den Buijs BJ, de Bie RA, Brutel de la Rivière A, Helders PJ. Feasibility of preoperative inspiratory muscle training in patients undergoing coronary artery bypass surgery with a high risk of postoperative pulmonary complications: a randomized controlled pilot study. Clin Rehabil. 2006;20(11):949-59. [ Links ]
3. Mackay MR, Ellis E, Johnston C. Randomised clinical trial of physiotherapy after open abdominal surgery in high risk patients. Aust J Physiother. 2005;51(3):151-9. [ Links ]
4. Torrington KG, Henderson CJ. Perioperative respiratory therapy (PORT). A program of preoperative risk assessment and individualized postoperative care. Chest. 1988;93(5):946-51. [ Links ]
5. Hulley SB, Cummings SR, Brower WS, Grady D, Hearst N, editors. Delineando a Pesquisa Clínica - Uma abordagem epidemiológica. Porto Alegre: Artmed; 2006. [ Links ]
6. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S2-S237. [ Links ]
7. Aldrete JA, Kroulik D. A postanesthetic recovery score. Anesth Analg. 1970;49(6):924-34. [ Links ]
8. Andreoli TE, Carpenter CJ, Griigs RC, Loscalzo J, editors. Cecil - Medicina Interna Básica. Rio de Janeiro: Elsevier; 2006. [ Links ]
9. Brooks-Brunn JA. Predictors of postoperative pulmonary complications following abdominal surgery. Chest. 1997;111(3):564-71. [ Links ]
10. Doyle RL. Assessing and modifying the risk of postoperative pulmonary complications. Chest. 1999;115(5 Suppl):77S-81S. [ Links ]
11. Paisani DM, Chiavegato LD, Faresin SM. Lung volumes, lung capacities and respiratory muscle strength following gastroplasty. J Bras Pneumol. 2005;31(2):125-32. [ Links ]
12. Bellinetti LM, Thomson JC. Respiratory muscle evaluation in elective thoracotomies and laparotomies of the upper abdomen. J Bras Pneumol. 2006;32(2):99-105. [ Links ]
13. Vassilakopoulos T, Mastora Z, Katsaounou P, Doukas G, Klimopoulos S, Roussos C, et al. Contribution of pain to inspiratory muscle dysfunction after upper abdominal surgery: A randomized controlled trial. Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(4 Pt 1):1372-5. [ Links ]
14. Neto LJ, Thomson JC, Cardoso JR. Postoperative respiratory complications from elective and urgent/ emergency surgery performed at a university hospital. J Bras Pneumol. 2005;31(1):41-7. [ Links ]
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