Artigo: Avaliação da dor em recém-nascidos prematuros durante a fisioterapia respiratória


 Associação Internacional para o Estudo da Dor define a sensação dolorosa como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada à lesão tecidual potencial e/ou real, sendo sempre subjetiva.¹

Entretanto, a dor neonatal merece atenção diferenciada, pois estes pacientes não a expressam verbalmente e suas manifestações são distintas das outras faixas etárias. As evidências demonstraram, através de substrato neurobiológico, que o recém-nascido, mesmo prematuro, tem condições de experimentar a sensação dolorosa.2

O feto pode sentir a dor já em idades gestacionais precoces. Estudos mostraram que procedimentos na pele fetal produziram aumento de hormônios do estresse (cortisol, endorfina, adrenalina, etc).3

É importante ressaltar que até aos anos 80, a dor do recém-nascido não era reconhecida. Foram as pesquisas de Anand e Hickey4 que abriram o caminho ao conhecimento da dor neonatal e à urgência de se proceder a uma analgesia rotineira.

O recém-nascido humano tem os componentes anatômicos e fisiológicos requeridos para a percepção dos estímulos dolorosos na forma completa a partir da 30ª semana de gestação.5 Sabe-se que, inclusive nos prematuros, encontram-se desenvolvidas as vias neurofisiológicas para a nocicepção, desde os receptores periféricos até o córtex cerebral. Por isso a imaturidade neurológica não torna o recém-nascido incapaz de sensibilidade e memórias álgicas.6 A dificuldade de avaliação e mensuração da dor no lactente pré-verbal constitui-se no maior obstáculo ao tratamento adequado da dor nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatais.2

O desenvolvimento das vias dolorosas que acontece após o nascimento envolve o refinamento das conexões sensoriais com o sistema límbico e as áreas afetivas e associativas do córtex cerebral. Dois sistemas são principalmente afetados pela dor: neuroendócrino e cardiovascular.7 O sistema respiratório e imunológico também são afetados, embora em menor grau.7

Experiências dolorosas neste período determinam a arquitetura final do sistema da dor do adulto e possivelmente a variabilidade individual da resposta à dor e a freqüência destas experiências não tratadas pode levar a alteração na maturação desse sistema.6

O desenvolvimento das Unidades de Terapia Intensiva Neonatais tem proporcionado uma diminuição acentuada na mortalidade de recém-nascidos pré-termo. Paralelamente à sofisticação dos recursos terapêuticos, um maior número de procedimentos invasivos se faz necessário para garantir a sobrevida dessas crianças. Essa sobrevivência tem um custo para o paciente, incluindo uma maior exposição a fenômenos dolorosos.8

Durante os primeiros dias, ou seja, na fase de maior instabilidade, os recém-nascidos de risco estão sujeitos a uma série de procedimentos dolorosos tais como: intubação, acesso venoso, coleta de exames por punção arterial, punção lombar, aspiração de cânula endotraqueal, prong nasal, ventilação mecânica, drenagem de tórax, punção de calcanhar, etc.

A prática fisioterapêutica é parte da assistência multidisciplinar aos recém-nascidos pré-termo (RNPT) sob cuidados intensivos e tem como objetivo prevenir e minimizar as complicações respiratórias decorrentes da própria prematuridade e da ventilação pulmonar mecânica, otimizar a função pulmonar de modo a facilitar as trocas gasosas, e assim, promover uma evolução clínica favorável. Para tanto, utiliza procedimentos fisioterapêuticos específicos como as posturas de drenagem, a vibração torácica e os exercícios respiratórios passivos. Para a remoção da secreção é realizada a aspiração endotraqueal e de vias aéreas superiores; tal procedimento não é considerado conduta específica e exclusiva do fisioterapeuta, sendo rotineiramente realizado pelos demais profissionais da equipe multidisciplinar.9

O questionamento de que a fisioterapia respiratória causa dor no recém-nascido pré-termo é de grande relevância, uma vez que a dor tem influência direta na estabilidade e evolução clínica, influenciando assim, a morbidade neonatal.8

Sabe-se que o tratamento adequado da dor neonatal está associado a menores complicações e redução da mortalidade.10 Nesse contexto, faz-se importante conhecer procedimentos geradores de dor, para que estes sejam realizados somente na vigência de sua real necessidade e acompanhados de métodos analgésicos apropriados.

O presente estudo objetivou avaliar a presença de dor durante a fisioterapia respiratória, em recém-nascidos pré-termo submetidos à ventilação pulmonar mecânica.

 

Métodos

Trata-se de estudo longitudinal prospectivo de uma série de casos, realizado entre fevereiro de 2003 e maio de 2004, na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Berçário Anexo à Maternidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. A pesquisa foi desenvolvida após análise e aprovação pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Diretoria Clínica da Instituição.

Foram incluídos recém-nascidos pré-termo com idade gestacional abaixo de 34 semanas e peso de nascimento menor que 1500 gramas, que necessitavam de ventilação mecânica, que não estivessem sob analgesia e/ou sedação e que não apresentassem situações clínicas que contra-indicassem a fisioterapia respiratória, a saber: hemorragias intracranianas, pneumotórax, hipertensão pulmonar persistente, instabilidade cárdio-circulatória e discrasias sangüíneas. Além disso, excluíram-se também os recém-nascidos portadores de malformações congênitas e síndromes genéticas.

Para o cálculo da idade gestacional foram utilizados, por ordem de prioridade, conforme norma do Serviço: idade gestacional materna, idade gestacional ultra-sonográfica,11 e a diferença entre as idades calculadas pelos métodos ultra-sonográfico e pós-natal for inferior a duas semanas; idade gestacional pós-natal calculada através do Método de New Ballard,12 quando esta diferir em mais de duas semanas das idades gestacionais materna e ultra-sonográfica.

Os dados foram coletados entre o terceiro e o sétimo dias de vida de cada neonato. Após a estabilidade clínica, os recém-nascidos pré-termo receberam os procedimentos de fisioterapia respiratória conforme as suas necessidades e a rotina do Serviço.9 Tais procedimentos compreendem a associação de: a) técnicas de vibração manual torácica: movimentos vibratórios manuais realizados durante o período expiratório, podendo ser finalizados por compressão intermitente da parede torácica; b) posicionamento nos decúbitos lateral direito e esquerdo utilizado em associação com as demais técnicas com o objetivo da drenagem postural, na qual a gravidade atua de forma a facilitar o deslocamento das secreções dos segmentos brônquicos mais periféricos até os centrais; c) exercícios respiratórios passivos: manobras manuais associadas ao posicionamento do recém-nascido, de modo a adequar a relação ventilação-perfusão e melhorar as condições biomecânicas favorecendo uma ação mais eficaz do diafragma.

A aspiração endotraqueal e de vias aéreas superiores não foi utilizada de rotina, somente quando havia quadro de secreção que justificasse a sua aplicação. Entretanto, todos os recém-nascidos que participaram desta pesquisa foram submetidos a tal procedimento por necessidade clínica e este procedimento sempre foi realizado por fisioterapeutas.

Neste estudo foi utilizada a Escala de Dor para Recém-Nascidos=Neonatal Infant Pain Scale, descrita e validada em 1993,14 conforme mostra a Tabela 1.

 

 

A escola NIPS14 avalia a expressão facial, o choro, a movimentação de membros, o estado de vigília e o padrão respiratório; podendo ser utilizada em todos os recém-nascidos, independente da idade gestacional. Essa escala avalia os seguintes parâmetros: expressão facial (0 ou 1 ponto), choro (0, 1 ou 2 pontos), respiração (0 ou 1 ponto), posição das pernas (0 ou 1 ponto), posição dos braços (0 ou 1 ponto), estado de sono/vigília ( 0 ou 1 ponto), considerando-se a dor presente quando a pontuação é superior a três.

A NIPS foi aplicada antes do atendimento fisioterapêutico e em dois momentos distintos: após as manobras de vibração, exercícios respiratórios passivos e posicionamento e após a aspiração endotraqueal e de vias aéreas superiores.

Para a análise estatística da comparação de proporções, foi utilizado o teste do Qui-Quadrado, considerando-se p< 0,05 como nível de significância.

 

Resultados

Foram estudados 30 RNPT, sendo 15 (50%) do sexo feminino e 15 (50%) masculino, com idade gestacional média de 30,70±2,10 semanas (251/7-331/7) e o peso de nascimento médio de 1010,70±294,60 gramas (630-1490 g). Dos prematuros estudados 12 (40%) foram considerados como adequados para a idade gestacional e 18 (60%) deles como pequenos para a idade gestacional, segundo o critério de percentis adotado pela Curva de Crescimento Intra-Uterino adotada pelo Serviço.

A asfixia perinatal grave, considerando-se o Apgar de 5º minuto menor que 5, foi verificada em sete RN (23,3%) e a doença das membranas hialinas foi diagnosticada em todos (100%) os prematuros. Além disso, todos eles receberam a reposição de surfactante exógeno.

Foram realizadas 220 sessões de fisioterapia respiratória na população estudada, com média de 7,33 sessões por recém-nascido.

Com a aplicação da escala NIPS para a avaliação da dor antes do atendimento fisioterapêutico, verificou-se que 23 RN (19,1%) apresentaram escores indicativos de dor. Estes escores elevados podem ser resultantes de presença de cânula traqueal e da ventilação mecânica, procedimentos aos quais todos os prematuros estavam submetidos.

Após a realização de manobras de vibração, exercícios respiratórios passivos e o posicionamento, 20 (16,6%) RN apresentaram escores sugestivos de dor. Não houve significância estatística entre os dois momentos estudados (p=0,09), sugerindo que os procedimentos empregados neste procedimento não foram dolorosos (Figura 1).

Quanto à ocorrência de dor em relação à aspiração endotraqueal, foi observado um aumento significativo no número de observações de neonatos com escores elevados após o procedimento: de 23 (19,1%) observações antes do procedimento de aspiração para 86 (71,6%), com (p<0,001), mostrando que o procedimento de aspiração endotraqueal e de vias aéreas superiores, além de ser invasivo, é doloroso, como se observa na Figura 2.

Comparando-se os escores de dor após os procedimentos fisioterapêuticos e de aspiração endotraqueal, houve diferença estatisticamente significante (p<0,001), conforme mostra a Figura 3.

 

Discussão

Nesta pesquisa optou-se por aplicar a Escala de Dor para Recém-Nascidos (NIPS) porque a Equipe de Fisioterapia Neonatal tem vivência na utilização da referida escala e, portanto, os resultados foram mais fidedignos. Além disso, o fato de ser aferida à beira do leito durante o procedimento, ou seja, durante a fisioterapia respiratória, facilita a sua aplicação rotineira.

Ao se comparar os momentos após os procedimentos fisioterapêuticos e aspiração traqueal, percebe-se a diferença nos escores de dor resultantes de procedimento que envolve estímulo tátil, no entanto não doloroso, através da realização de manobras fisioterapêuticas, e de procedimento invasivo (aspiração traqueal). É possível afirmar que as manobras de fisioterapia em recém-nascidos pré-termo não são geradoras de dor e, portanto, não requerem métodos analgésicos.

Entretanto, a aspiração endotraqueal mostrou-se dolorosa. Assim, recomenda-se que seja aventada a utilização de métodos analgésicos.

Vale ressaltar que a aplicação da escala NIPS antes do atendimento fisioterapêuticos mostrou que 23 RN (19,1%) apresentavam escores indicativos de dor. Estes escores elevados podem ser resultantes de presença de cânula traqueal e ventilação mecânica, procedimentos aos quais todos os recém-nascidos pré-termo estavam submetidos e que são potencialmente dolorosos.

Como métodos não-farmacológicos que podem ser utilizados precedendo um procedimento potencialmente doloroso destacam-se a oferta oral de soluções adocicadas, a contenção e posicionamento e o estímulo tátil.16,17 Tais medidas podem ser aplicadas pelos próprios profissionais que realizam o procedimento.16,17

Ressalta-se que os resultados obtidos em relação aos escores de dor mediante a aspiração poderiam ter sido minimizados se os recém-nascidos que constituíram a amostra estivessem recebendo analgesia e/ou sedação, contínua ou intermitente.

Concluindo-se, nessa amostra de recém-nascidos pré-termo sob ventilação mecânica na primeira semana de vida, os procedimentos de fisioterapia respiratória não foram desencadeantes de estímulos dolorosos, porém a aspiração endotraqueal se mostrou potencialmente dolorosa, devendo ser realizada somente quando necessária, e não como rotina pré-estabelecida. Sabe-se que a utilização de escalas para avaliação da dor neonatal ainda não é uma rotina na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, no entanto, este estudo demonstrou que a aplicação da NIPS foi capaz de indicar a ocorrência de dor ante procedimentos invasivos. Os efeitos deletérios da dor neonatal tornam este evento merecedor de uma adequada abordagem. É importante que a equipe atuante seja capaz de identificar a dor e prever sua ocorrência mediante procedimentos, instituindo tratamentos adequados para sua minimização e controle.

 

Referências

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Autores:
Carla Marques Nicolau; Juliana Della Croce Pigo; Mariana Bueno; Mário Cícero Falcão
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