Ventilação Mecânica, DPOC e COVID 19
As doenças pulmonares obstrutivas (especialmente a DPOC) são particularmente difíceis no manejo da VM. Afinal, o problema-chave de cada uma dessas doenças está justamente no próprio pulmão. Devido a todas as particularidades envolvidas na ventilação de pacientes com essas comorbidades, não existem recomendações bem estabelecidas quanto ao modo ventilatório mais adequado, por exemplo.
Em geral, o foco principal da ventilação mecânica na DPOC é manter volume-minuto (o produto entre o volume corrente e a frequência respiratória) em torno de 115 mL/kg. Isso porque a dificuldade ventilatória é a base da doença e a maior parte das complicações (da hipoxemia à hipercapnia) resultam dela. Naturalmente, esses pacientes necessitam de um volume-minuto maior para compensar o espaço-morto resultante do aprisionamento aéreo fisiológico que apresentam.
Portanto, considerando essa necessidade de controle do volume-minuto, o modo volume-controlado da VM geralmente é o mais adequado, pois permite o ajuste dessa variável de forma mais precisa.
E é aí que surge um dos principais desafios em pacientes com DPOC e síndrome da angústia respiratória (SARA), como é o caso de pacientes com Covid-19. Na ventilação protetora recomendada, o volume corrente indicado é restrito no valor de 6 mL/kg de peso predito com o objetivo de evitar volutrauma e barotrauma. Consequentemente, usando a fórmula do volume-minuto, sobraria a frequência respiratória como parâmetro possível de ser usado para atingir a ventilação alveolar adequada.
Porém, pela restrição do fluxo expiratório, pacientes com DPOC (e também os com asma) têm tendência a apresentar aprisionamento aéreo e a chamada hiperinsuflação dinâmica. Pela resistência aumentada das vias aéreas, esses pacientes precisam de um tempo expiratório prolongado para esvaziar adequadamente os pulmões e não é raro que, na VM, a próxima inspiração seja disparada antes que a quantidade adequada de ar tenha sido expirada.
Consequentemente, a cada ciclo, o pulmão aprisiona mais ar e com isso a pressão intra-alveolar vai aumentando, gerando o que chamamos de auto-PEEP. A auto-PEEP pode ser identificada quando a pressão de pico vai progressivamente aumentando durante o modo volume-controlado e também no gráfico de tempo x fluxo (que vai acusar a inspiração sendo iniciada antes que o fluxo expiratório atinja o valor zero). Ela pode até ser quantificada medindo-se a pressão de abertura das vias aéreas durante uma pausa ventilatória no fim da expiração (nesse caso, o paciente precisa estar totalmente sedado e entregue à ventilação para que a medida seja acurada).
A auto-PEEP dificulta a dinâmica ventilatória, muitas vezes levando o paciente a disparar movimentos inspiratórios e perder a sincronia com a VM. Além disso, a pressão intratorácica gradualmente maior pode levar a comprometimento hemodinâmico e até a barotrauma e pneumotórax.
Para corrigir a auto-PEEP, as seguintes medidas são recomendadas:
- Reduzir o volume-minuto e aumentar o tempo expiratório: essa é uma situação em que reduzir o volume-minuto pode ser necessário e, portanto, aceita-se uma hipercapnia permissiva até que o problema esteja resolvido (desde que o pH não caia abaixo de 7,20). Para isso, deve-se reduzir o volume corrente e/ou a frequência respiratória, além de reduzir a relação I:E (de preferência, 1:3);
- Ajustar a sensibilidade do ventilador: em geral, recomenda-se que a sensibilidade do ventilador seja mantida em -1,0 ou -2,0 em pacientes com DPOC e asma, tanto nos modos guiados por pressão quanto volume. O objetivo aqui é, principalmente, reduzir o esforço inspiratório do paciente, tornando o disparo do ventilador mais fácil. Porém, se a sensibilidade estiver muito baixa, os disparos podem acontecer de forma excessiva (auto-ciclagem) e, com isso, a auto-PEEP pode piorar. Ajuste, portanto, deve ser feito em sincronia aos demais parâmetros e avaliando-se a resposta do paciente momento a momento;
- Aplicar PEEP extrínseca: apesar de parecer contraditório, o uso da PEEP pode ajudar a compensar pacientes com auto-PEEP. É importante notar, entretanto, que o uso da PEEP não ajuda a corrigir a hiperinsuflação, mas sim a reduzir o esforço respiratório do paciente e a perda de sincronia com a VM. A matemática é simples: se o paciente estiver com uma auto-PEEP de 10 cmH2O e sensibilidade da VM em -2,0 cmH2O, ele terá que reduzir a pressão alveolar 12 cmH2O para disparar um ciclo do ventilador. Aplicando-se uma PEEP de 5 cmH2O, por exemplo, a redução terá que ser apenas de 7 cmH2O, reduzindo-se assim o esforço ventilatório.
Caso ocorra instabilidade hemodinâmica resultante da auto-PEEP elevada ou de barotrauma, a desconexão imediata da VM é necessária. Porém, no caso específico da Covid-19, tal desconexão é contraindicada pelo risco de aerolização e, portanto, controlar a hiperinsuflação antes que ela atinja níveis críticos é mandatório. O uso de medicações como broncodilatadores (de curta e longa duração) e corticoides pode auxiliar muito, tanto prevenindo broncoespasmos quanto controlando exacerbações que pioram a dinâmica ventilatória.
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